quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Continue batendo



Coração, meu velho amigo, não me deixe na mão agora. Sua luta se transformou em medo, e esse medo há de ficar para trás. Estou correndo e preciso que você continue a bater, agora mais do que nunca. Apenas continue, eu te peço, apenas mais um pouco. Meus joelhos estão cansados e não sinto mais o sangue correr nas mãos. Meus pulmões são jovens, mas eu preciso de você para continuar.

Apenas bata: não é isso que você quer? Apenas bata, há razões demais para desistir e eu preciso que você as contrarie. Confio em você para continuar, preciso de você para seguir. Minha cabeça grita para seguir em frente, mas eu preciso de uma razão para cruzar essa linha. Preciso me sentir vivo para querer a vida.

Não me desaponte agora. Sinto você desistindo, parando devagar. Apenas mais uns passos, você não é tão fraco. Meu corpo é forte, mas dependo de você para sobreviver. Pois eu tenho fé de que ainda tenho vitórias para conquistar, posso senti-las em meus lábios, em meu rosto e em minha alma.

Coração, meu velho amigo, você bateria por mim uma vez mais?

T.Rodrigues

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Olhar de criança

A chuva está dentro do caminhão pipa,
o fogo está dentro do fogão.
A pipa voa dentro da cozinha,
céu é o que a gente vê do chão.

Cadeira é onde eu sento,
Cadeia é onde meu tio mora,
Cadela é o bicho do Pedrinho,
Caxola é onde guardo minha memória.

Se eu esquentar o ovo, a galinha nasce?
E se eu desmonto o relógio, o tempo para?

T.Rodrigues


quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Gosto da chuva

Ela é como a fragrância do gosto da chuva
Permanecendo nos meus sentidos, implacável, incansável
Escorregando e mergulhando como gotas maléficas
Invadindo meu céu límpido
E eu procuro pelo sinal de uma pequena nuvem qualquer
Dividida e desintegrada no chão
Respingando, rachando como a pele da minha língua sedenta
Seca como as veias de um coração sem amor
E não posso dizer como ela se sente longe de mim
Como uma camada a ser retirada
Esculpida em formas deslumbrantes e padrões da minha alma
Carregada como sonhos à lugares onde meu corpo não pode chegar
E eu espero pelo sinal

T.Rodrigues


domingo, 30 de setembro de 2012

Inverno de primavera

Se das tuas viagens pelo mundo retornar, bem meu, por favor não voltes para casa. A cama já não lembra teu perfume, teu lugar na mesa não existe mais. Se nos teus erros de menina quiser arrepender-se, bem meu, por favor, se contentes para lá. Já não ouço mais nossa música, teus sentidos já não são meus. Se um dia quiseres ter comigo, bem meu, por favor não venha. De suas mentiras já não me lembro, de suas verdades nunca ouvi falar. E se um dia a saudade bater, bem meu, negue-a. Não deixe que entre pela porta do coração. Pois aquelas flores de ipê da primavera passada há muito secaram, o samba nosso morreu, o gato fugiu e eu me perdi. Me perdi na poeira de um coração partido. Na miséria de um amor maltratado. No relato não dado, do cara do outro lado.

T.Rodrigues


quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Internet e seus (mal-ben)efícios.

"Me manda seu telefone pelo facebook depois", "coloquei o convite no twitter lá ok?", "qualquer dúvida, me pergunta no ask"... as interações não são as mesmas de (incrível) uma década e meia atrás. Guardo com tanto carinho as memórias dos -quase- velhos tempos. Não tínhamos muitos recursos, se você quisesse flertar com aquela garota bonita do colégio, você tinha que falar com ela. Falar mesmo. Nada de mandar uma mensagem no facebook, curtir uma foto ou participar de um chat ou bate-papo qualquer. A segunda opção era esperar pelo correio elegante. A melhor data do ano para falar algo que você não tinha coragem de falar no tête-à-tête.

Eu amava isso tudo. O fato de poder escrever cartas, para mim, era especial. Fico infeliz de dizer a palavra, mas fico sem opção: 'antigamente', era romântico escrever uma bela carta com perfume -mas sem exageros- e mandar para a garota desejada. Era sempre bem vinda uma carta de amor, ao menos era o que parecia. Lembranças palpáveis, daquelas que podemos guardar em caixinhas onde colocamos só as coisas mais especiais que vivemos. É engraçado pensar: nossas memórias mais especiais na atualidade se encontram em caixinhas que precisam de baterias pra funcionar.

Tenho medo do efeito da internet nessa nova geração. As pessoas estão tão acostumadas com a facilidade que esse recurso oferece, que tem esquecido aos poucos os contatos básicos (mas necessários) que unem as pessoas. Uma frase clichê que se aplica a meu raciocínio seria: "a internet veio para aproximar que está longe e afastar quem está perto.". 

Como serão os Romeus e Julietas dessa geração? será que o Romeu, ficaria esperando na sacada, e mandaria uma inbox no facebook para a Julieta aparecer na janela? será que a Chapeuzinho Vermelho faria um check-in no foursquare quando entrasse na floresta? ou João e Maria, com o auxílio de um gps, não se perderiam?

Fico imaginando o custo benefício disso tudo. Será que a internet nos deu mais do que nos tomou? O medo da resposta começa quando essa pergunta acaba de ser feita na minha mente.

T.Rodrigues

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Provável história real

Na cama, de olhos fechados, percebo minhas pálpebras ficando vermelhas levemente e a sensação de calor aumenta. É o sol que veio me dar bom dia, pela janela entreaberta. Levanto e penso em todas aquelas coisas que deixei pra fazer nessa quarta feira de outono. Aquela dieta que eu não comecei na segunda, a torneira do banheiro que continua pingando, a ração que não coloquei pro gato ontem. Vou fazer tudo hoje, sem falta. Mas preciso ir trabalhar.

O caminho foi mais tranquilo que ontem, o trânsito parece estar melhor. Me pego olhando pela janela do carro, e de repente tudo parece fazer parte de uma construção divina, algo maior. Esses quarteirões quadrados em formato de bolo da minha falecida vovó. Esses sinais mudando suas cores, me lembram o natal que está por vir. Até o velho da praça, pedindo esmola, me faz sentir renovado. Me compadeço dele. Uma moeda hoje, é o que eu tenho, espero que ele mate sua fome. Continuo meu caminho.

Tenho muito trabalho pra fazer, dou um "bom dia" tímido para a secretária e sigo para o escritório. A minha sorte é que ainda tenho até sexta pra entregar. Ando cansado, Deus sabe o quanto. Minha família, as vezes me sinto distante dela. Eu realmente preciso mudar isso, vou parar com essas promessas. Quando chegar em casa, vou alugar um filme para ver com eles.  Espero que eles gostem. Apesar dos problemas, me sinto grato por ter mais um dia. E se o dia for ruim, minha cama me espera em casa. Minha esposa me espera nela. Meus filhos.

Amanhã, eu começo a dieta. 

(anônimo, World Trade Center, 11-09-2001)

T. Rodrigues


terça-feira, 28 de agosto de 2012

Destino é conto da carochinha

Da moça eu pouco sabia, o que tenho em mente me foi contado, quiçá observado. Filha única, um metro e pouco, peso médio para uma altura mediana, beleza dessas de cinema. A maioria das histórias que conto é assim. O que faz o caso dela ser atípico era que tudo para ela não passava de coincidência. Ela usava padrões. Não acreditava em nada. Tudo se encaixava matematicamente. Até o dia que conheceu Arthur.

Ela narrou à situação dessa maneira: quando saiu do trabalho, quis pegar um caminho diferente para casa. Passando pela Rua dois, um congestionamento (nunca antes visto na região) fez com que ela parasse o carro, fechando um cruzamento. Algo lhe incomodou de longe, abriu a porta para ver o que era: uma criança sozinha na rua. Aproximou-se e percebeu que a mãe estava por perto. Virou-se para seu carro no tempo exato de presenciar outro veículo chocar-se com o seu. Respirou fundo. “Essas coisas acontecem.” Um homem saiu de dentro do carro e veio desculpar-se pelo acidente. O cabelo dele era do tipo que ela achava mais atraente. Os olhos eram claros, do jeito que ela amava. Era da altura que ela gostava em um homem. Ele por sua vez, educadíssimo, fez uma boa primeira impressão, apesar da situação inesperada. “Meu nome é Arthur, sinto muito pelo carro...” e esse era o nome que ela pretendia dar para seu primeiro filho, caso um dia tivesse um. Até agora, para ela, nada disso era destino. Não passava de fatos matemáticos, equações e escolhas que a levaram aquele lugar.

Então percebeu que do carro de Arthur vinha uma música.

- O que você está ouvindo?

- Frank Sinatra.

Pronto. Agora ela acreditava.

T. Rodrigues


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A mais doce da cidade

Conheci uma mulher na rua da feira, entre flores e verduras. Andava despreocupado, quando vi seu rosto na sacada a observar o movimento. Eu estava lá embaixo, ela lá em cima.

A minha frente o feirante anunciava "a melancia mais doce da cidade". Curioso, cheguei perto, e o vendedor me ofereceu um pedaço para experimentar. Olhei para o alto, ela ainda estava lá. Peguei a melancia, comi um pedaço e constatei: realmente era a mais doce que já havia comido. Enquanto apreciava o gosto, me veio algo à cabeça: será que doces também são os lábios dessa mulher na sacada da feira ? Ahhh, como queria prová-los...

Ouvi um barulho ensurdecedor que me trouxe de volta a realidade. Com uma buzina, o homem do Biju gritou, praticamente dentro do meu ouvido: “olha o Biju! Olha o Bijuuu!”, apertando a buzina e chamando a atenção de todos. Ela a que tudo observava, olhou para mim e sorriu, talvez o meu susto houvesse despertado o seu sorriso, não sei. A verdade é que a moça na sacada tornou minha ida à feira o evento mais esperado da semana.

Foto: Limoncino

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Cartão postal

Quando vejo aquele cartão postal, aquele sério, meus olhos mentem. O sorriso fora daquele rosto simplesmente não combina, é falsa representação da verdadeira personalidade. Seriedade parece não encaixar quando felicidade é o que a define. Incompatível como quando a gente encaixa as pilhas do controle remoto às avessas. Inverossímil como quando a gente troca a ordem das cordas do violão. Inadmissível como colocar sal no café com leite e esperar que seja doce. Não é justo, não a representa. Portanto, colocarei açúcar no café, inverterei as cordas do violão e encaixarei as pilhas na ordem correta, se ela sorrir no próximo cartão postal.

T.Rodrigues



quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Sobre gentileza e romantismo

Saúdo os antiquados! Aqueles que ao conhecer, dizem "encantado em conhecê-la"; ao agradecer, dizem "não há de quê"; ao se referirem às mulheres, usam "senhorita", meu respeito! Que conservam o "primeiro as damas", que pedem a devida licença ao entrar e sair, que se mantem elegantes mediante ao desespero, os aclamo! Louvores à aqueles que fazem a gentiliza, aqueles que a praticam, que não tem medo de serem chamados de antigos ou  conservadores. Que presenteiam com rosas, que se atem às serenatas, que enviam cartas de papel e planejam seus jantares, minha admiração eterna! Pois os gentis poderão deixar de ser românticos, mas os românticos sempre serão gentis. Rumo à extinção caminharemos, rumo à raridade...

T.Rodrigues


segunda-feira, 30 de julho de 2012

Os invisíveis

As pessoas vêm e vão, exercendo seu primeiro direito como cidadãos. A cidade prossegue com seu barulho, os carros passam, a corrida desenfreada a procura da nova corrida continua. A sociedade não enxerga aqueles que estão lá, deitados pelas avenidas, sujos, famintos, sedentos, clamam por pessoas que nunca os ouvirão. Permanecem invisíveis aos olhos perfeitos. Apenas ignorados, estendem as mãos em direção ao céu, pedindo por ajuda. Fazem das esquinas, casas. Das pontes, mansões. Das ruas, lares. Ninguém parece perceber o clamor dos invisíveis. Pessoas normais, gente como a gente, pedindo esmolas e se tornando inalcançáveis. Parede de muro, paisagem concreta. Julgados por nós que temos um lugar a chamar de "lar". Eles não pedem muito. Na verdade, não pedem nada. Afinal, ser visto não é um pedido. É um abrir de olhos.

T.Rodrigues


"Um centavo ou um sorriso"

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Músicas de quinta #2

Eu te Amo, Chico Buarque (Vida, 1980)


Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta como hei de partir

Ah, se ao te conhecer
Dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir

Se nós nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir

Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu

Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu

Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios ainda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair

Não, acho que estás fazendo de tonta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir.


sexta-feira, 29 de junho de 2012

Procura e efeito

Precisava de algo para desestruturar-se, parecia ter perdido seus grandes incentivos. Já não achava graça na praça da cidade, na pipoca do Seu Antônio, nem no rio que passava devagar por sob a ponte. Já não via Maria tão bonita como antigamente, a sensação de velocidade já não o satisfazia, já havia cansado de ser o rapaz ideal. E na cidade diziam "André é um bom garoto", "partido perfeito", "não se fazem rapazes assim". Nem ele sabia como era, achava irreal que outros pudessem vê-lo tão cegamente. E parecia que essa cegueira desmedida havia o alcançado nos últimos tempos, ele enxergava mas não via nada. Precisava quebrar-se.

Optou pelas mudanças convencionais, visitou o museu esperando que a sabedoria dos tempos antigos lhe ensinasse como viver os atuais. Não funcionou. Decidiu visitar o hospital, ver pessoas em estágio terminal. Esperava que o desespero da vida que deixa de ser vida em momento nenhum pudesse fazê-lo perceber uma alegria que para ele fazia falta. Também não deu certo. Como última alternativa, decidiu aprender com sua própria vida, visitou um psicólogo para saber o que havia de errado. Mas o psicólogo também não sabia o que dizer. André tinha um problema que não existia e a falta da excitação continuava a ser a causa.

Voltou pra casa, teve a pior das ideias. Pegou um revólver, colocou por sobre a mesa ao lado de uma garrafa de uísque meio cheia - ou meio vazia. Bebeu, pensou, bebeu, pensou, até que a coragem veio. Fechou o casaco, deu uma última olhada para os móveis, pra ver se a casa estava arrumada. "Não quero que me encontrem numa espelunca bagunçada", pensou. Pegou seu calibre 22 e o encarou por alguns segundos, resmungando algumas palavras. "Quem diria, comprei você para proteção..." e mal sabia que deveria proteger-se era de si mesmo.

Sem rodeios, colocou na cabeça e engatilhou a arma. Seu coração começou a pulsar forte, bombeando sangue para todo o corpo como uma pequena maria-fumaça. Em pouco tempo, já estava com o rosto todo suado, respiração ofegante, nervoso com a situação. Foi aí que ele percebeu algo engraçado. Estava excitado de novo. Adrenalina no auge, sentia-se até mais forte. Nada nem ninguém havia o deixado naquela posição anteriormente, se sentia renovado, talvez até justificado.

Abaixou o revólver e sorriu de felicidade. Colocou a arma sobre a mesa e disse: "- Amanhã a gente tenta de novo!" e foi dormir como a versão mais feliz do André que já havia existido.

T.Rodrigues


domingo, 24 de junho de 2012

O problema da companhia

Pouco se sabe sobre essa história: Menino branco, olhos e cabelos (longos) castanhos, não era muito alto, magricela e bem afeiçoado. Um dia, foi para fora da casinha onde morava (numa fazenda, num interior qualquer de Minas Gerais), olhou para o céu e pensou: "tempo bom para nadar". Pegou uma camisa seca, vestiu. Um beijinho na mãe, acenou para o pai e foi-se embora. Não muito longe de lá estava a cachoeira escolhida pro mergulho. Vendo que o sol se escondia cada vez menos, decidiu correr um pouquinho. Chegando perto, foi despindo-se apressadamente, se jogou de corpo aberto na água. Brincou até onde não dava mais, foi até onde não dava pé, se refrescou e decidiu parar um pouco na borda, para apreciar a vista. Debruçou-se sobre o cascalho e as pedras, bem na beira, olhou a água com pouco movimento, em contraste com a violência da que batia bem abaixo do centro da cachoeira. Viu seu reflexo na água, feições que vira naquele mesmo dia pela manhã. Mal percebeu-se. Vindo não sei de onde, a água aumentou sua intensidade, quando somada a queda, formou quase uma onda em direção ao garoto. Quando a onda passou, o reflexo do garoto na água mudou. Viu um rapaz, olhos e cabelos (ainda longos) castanhos, blusa pólo e indecisão no olhar. De tanta surpresa, nem se moveu, continuou observando a cara nova que aparecia na água. A cachoeira pressionou de novo, outra onda parecia se formar. Olhou para o reflexo, viu um moço, cabelo curto recém cortado, terno, gravata e tristeza no olhar. Esse último reflexo abriu a boca levemente para falar alguma coisa, mas não deu tempo, outra onda veio. Dessa vez um senhor de idade, dos reflexos o mais triste, miserável. Não dava para distinguir muita coisa, mal se via a roupa que vestia, mas esse conseguiu entregar o recado, sussurrando baixinho com dificuldade para falar: "Quer mesmo refletir um só?".

T.Rodrigues



quinta-feira, 21 de junho de 2012

Conselhos

Alguns conselhos que ouvi de pessoas sábias, numa compilação que fiz em mente. Talvez alguns conselhos meus, mas jamais saberei.

Quando alguém lhe fizer uma brincadeira de mal gosto, não se sinta ofendido. Entre na brincadeira e responda educadamente. A educação e a cortesia são duas coisas que pessoas má intencionadas não suportam. Compartilhe da piada, faça com que a pessoa veja não apenas uma piada sem graça, mas também uma total falta de propósito em suas ações.

Quando fizer caridade, não apresente ela a público. O sábio faz boas ações por que sente prazer em fazê-las, o tolo faz por que precisa ser visto. Desconfie sempre de pessoas que se gabam em fazer o bem, pois em seus corações não passam de crianças mimadas que precisam ser reconhecidas (à mil maneiras) por seus atos. Inclua nessa lista: políticos, governantes, chefes, enfim, todos que exercem um cargo de poder, pessoas que decidem sobre pessoas. Observe seus atos e reflita se suas boas ações não são propagandas, ou realmente são atos de verdade.

Sempre confie em si mesmo. (auto-explicativo)

Ame - por toda a imensidão do verbo -
o amor não é importante,

é o principal.

T.Rodrigues

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Quando ela terminou

Quando ela terminou
com o Beto, aprendeu a ser mais sólida
com o João, parou de ser tão sensível,
com o Daniel, deixou pra trás o cigarro
com o Carlos, começou a gostar de samba
com o Tiago, aprendeu a chorar como criança,
e com o Vinícius a sorrir como uma idiota.

E já não se sabia se era um coração, ou uma colcha de retalhos.

T.Rodrigues



domingo, 10 de junho de 2012

Epifania

Olhei para a porta da casa uma última vez. Percebi meus pés cansados, minha dificuldade em respirar, minha arritmia cardíaca, decidi pôr um ponto final nisso. Dei um passo para frente, para a direção oposta da casa, algo dentro de mim mudou. Decidi tentar a outra perna e ela respondeu prontamente. Um terceiro passo e eu estava começando a esboçar um sorriso: aquilo surpreendentemente estava me fazendo bem. No quarto passo já sentia meu organismo liberando a serotonina, a respiração voltando ao normal e já me sentia mais estimulado. Talvez esse fosse o estímulo necessário para que eu deixasse aquela casa, aquela moça para trás. E para trás eu não olhei. Um quinto passo e meu cérebro mandou uma mensagem para minhas pernas: "vamos correr!" e assim elas o fizeram.

Comecei uma corrida única, onde cada passo me afastava mais dela, cada passo me pedia para dar outro e outro, continuar me distanciando o máximo daquilo que parecia ser minha doença particular. Enquanto meu sistema neurológico dizia "continue correndo", meu corpo correspondia prontamente, o sorriso no meu rosto denunciava o bem que estava fazendo a mim mesmo. Me senti como o alcoólatra que diz "não" para o copo de uísque cheio, como o assassino que solta a arma, como o poeta que rasga a página do poema que o aflige. Uma aura única corria ao meu redor: me sentia justificado.

Lacan não explicaria melhor minha abordagem comportamental, meu vício foi diagnosticado na corrida, eu precisava me medicar. E nenhum fármaco do mundo já inventou um remédio para os males do coração. E nesse epifania louca eu percebi: quanto mais corria para longe, mais meu coração se sentia confortável. A cura que parecia impossível se tornou um pouco mais viável hoje.

Chegou a hora de tentar esse novo tratamento.

T.Rodrigues


quinta-feira, 7 de junho de 2012

A vida que se leva (Parte 1)

"O que se leva da vida é a vida que se leva", li em uma rede social qualquer, hoje pela manhã. Estava vivendo o dia normalmente, até que decidi ligar a televisão em um canal de notícias (um dos 30 que assino na tv à cabo) e acabei me deparando com a data de hoje: 7 de junho de 2012. Hoje faz um ano que vi Charlie pela última vez.

Naquela manhã ele acordou cedo, logo quando os primeiros raios de sol cruzavam nossa janela.

- Acorda pai! - e entrou correndo pela porta tropeçando e fazendo muito barulho, subiu na minha cama como se um tesouro o aguardasse perto do meu travesseiro.
- Charlie, quantas horas são? - perguntei, em um estado de meio-sonhando, meio-dormindo, olhando para o relógio e duvidando que o garoto tivesse me acordado às 6 da manhã. Mas eu estava feliz.
- É hoje pai, é hoje! Vamos, senão a gente perde o ônibus para ver a mamãe!

A mãe de Charlie (e minha ex-esposa) se chamava Rachel. Nos separamos em junho de 2010, logo depois de ela perder o emprego. Nós vínhamos de alguns meses de briga, reconciliação, mais e briga e mais reconciliação. Depois de algum tempo era só briga. Devido à necessidade, ficamos algumas semanas consultando com nosso terapeuta (doutor T.) e decidimos que uma separação amigável resolveria nossos problemas conjugais e familiares. Estávamos pensando na felicidade do nosso filho, um garoto de 4 anos que não precisava crescer em uma casa de pais brigões. Quando Rachel perdeu o emprego (grande arquiteta, numa grande empresa), entrou num estado de depressão profunda, o que foi bem traumatizante para Charlie. Mas o processo de separação aconteceu muito rápido e o juiz acabou optando por dar a guarda do garoto para mim.

No início foi bem difícil para Charlie. Ele era muito apegado com a mãe (e que garoto de 4 anos não é?) e o choque de não tê-la todas as manhãs foi grande. Mas a vida continua, foi um longo processo, mas ele começou a se acostumar em ver a mãe com pouca frequência. Mensalmente Rachel nos fazia uma visita, o garoto ficava excitadíssimo quando via a mãe aparecendo na varanda. "- Ela veio pai, ela veio! Hoje vamos jantar com a mamãe, você fez algo gostoso né?! - Pai, pai, pega o dvd do Pirata pra gente ver com a mamãe! - Dessa vez ela vai ficar né pai?" Ele sabia a resposta para essa última pergunta, isso me cortava o coração. Eu sabia que crescer sem uma mãe com certeza seria ruim para Charlie, mas parecia injusto ter uma mãe tão ausente, com visitas marcadas no relógio.

Em dezembro daquele mesmo ano, Rachel estava quase que completamente recuperada. Em seu tratamento, o psicólogo havia dito que seria benéfico para ela morar na cidade em que foi criada, 200km ao sul de onde morávamos com Charlie. Ela ouviu e acabou se mudando, o que de fato foi bom para ela. Sua melhora foi considerável, então decidimos que ela já poderia ver o filho com mais frequência. Ela morava perto, mas não tão perto, então decidimos também que além de recebermos Rachel em nossa casa, Charlie também poderia visitá-la quinzenalmente, de ônibus.

Os meses foram passando e parecia que tudo ia se ajeitando aos pouquinhos. Charlie passou a ver sua mãe mais vezes e parecia mais feliz. Meu relacionamento com Rachel melhorou consideravelmente, quando percebi que no fim da terapia, ela voltara a ser uma Rachel bem próxima do que era quando a conheci, aquela com quem me casei e fui feliz, mesmo que por pouco tempo. Mas esse era um outro assunto, nós dois éramos adultos e não queríamos confundir as coisas, nosso foco era a felicidade de Charlie e ele havia aceitado (finalmente) o fato de ter pais separados.

Era manhã do dia 7 de junho de 2011, feriado nacional e Charlie iria passar a semana na casa da mãe e voltaria para casa no sábado. Ele parecia iluminado naquela manhã. Acordou falante e alegre (como sempre acordara) mas havia algo diferente naquele dia. Quando olhei para ele, na mesa do café, o vi como se fosse um anjo. Garoto lindo, puxou os olhos verdes da mãe e meu cabelo liso, parecia ter sido esculpido sem cera (sinceramente). Mas olhar para ele naquela manhã, reluzindo, parecia um aviso divino que a alegria de um homem só encontra seu ápice quando está prestes a cair.

Quando acabamos de tomar café, uma ideia me passou pela cabeça. Já havia alguns meses que não via Rachel (desde que Charlie começara a fazer visitas quinzenais para ela), apenas trocávamos algumas mensagens no celular, umas ligações rápidas, mas sempre algo sobre Charlie. Olhando para meu filho, percebi que tinha saudade dela, saudade da nossa família reunida. Então pensei: "por que não dirigir até a fazenda hoje? São apenas duas horas e meia de viagem e eu preciso tirar o carro da garagem mesmo." Comentei com Charlie e ele ficou entusiasmado com a ideia, não só de pegarmos a estrada (o garoto adorava velocidade), mas acho que a ideia de ter nós três reunidos novamente, brilhou na cabecinha do garoto.

Então, Charlie e eu pegamos a estrada ao encontro de Rachel.


(continua)
T.Rodrigues

sábado, 2 de junho de 2012

Sabedoria de Criança


Queria eu saber das coisas que as crianças sabem. Elas sim, tem todas as receitas - aquelas que procuramos - e que fazem a vida funcionar. Não digo funcionar como em uma máquina, isso os adultos já tentam fazer. Mas como o vento: sopra quando quer, para onde quer, numa intensidade imprevisível e ainda sim se faz necessário para que a vida prossiga. O que me diz muito sobre nossa lógica de viver.

Os homens trabalham com as sentenças erradas, e fazem perguntas do tipo: "o que é preciso para ser feliz?".  Isso só mostra que além de procurarem respostas desnecessárias, as perguntas são contraditórias. Mal sabem que essa é uma pergunta dupla: antes de ser feliz é preciso ser... não é muito difícil entender.

Se você pergunta para uma criança o que é preciso para ser feliz, ela provavelmente dirá: "não sei". E se continuar observando, verá que alguns segundos depois ela nem lembrará do que você queria saber. Isso me diz tanta coisa! Pergunte-se: é necessário mesmo saber o que é preciso para ser feliz? Não seria tão mais fácil não sabermos, e apenas sermos...

T.Rodrigues

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Prosa de bar

Fumou um cigarro, deu uma tragada profunda, cruzou as pernas e começou a confessar:

- Ontem eu matei um cara.

Não sei bem dizer por que aconteceu. Muitos dirão que foi sem motivo, muitos vão se horrorizar, mas para mim parece ter valido a pena. Ou talvez ainda não descobri se valeu ou não.

Rapaz tranquilo, não fazia mal a ninguém - e talvez por isso me irritava tanto - sempre na dele, fazendo boas ações e esperando pela sorte na esquina. Ela, a sorte, nunca vinha, e ele continuava lá esperando, com um sorriso no rosto. Era o cara que acordava de manhã cedo, ia para a sacada do apartamento e respirava o primeiro ar da manhã, contente por ter acordado. Depois, voltava, tomava seu café e ia para o a faculdade acreditando que o dia seria bom se ele fosse bom com o dia. Cheio de ideais.

Respeitava tudo e todos, e as vezes até demais. Via a beleza das coisas simples, dos pequenos momentos, e julgava ser os mais necessários - os que um dia serão grandes - e os fazia com êxito. Havia grandes chances de, um dia, se você topasse com ele numa esquina qualquer, o flagrasse olhando para o nada e sorrindo. Ele dizia que as vezes ficava hipnotizado com as crianças apenas sendo crianças, ou casais se amando apenas como casais normais.

Isso tudo me irritava nele, e um dia percebi que era difícil mantê-lo vivo. Todas essas coisas, esses momentos demasiados insignificantes, me tiravam do sério profundamente, e essa afirmativa veio do contraste que ele tinha com os outros: eles sempre tinham mais sorte que esse cara, mesmo não sendo nada parecidos com ele.

Quando ontem, o vi chorar no quarto. Perguntei qual era o problema e ele disse: - A todos observo rindo, enquanto minha alma chora vazia. - E eu entendi o que quis dizer. A alegria dos pequenos detalhes havia consumido sua alma, e ele não se sentia mais capaz de participar de um deles: eram todos detalhes vindos de lugares onde as pessoas não os julgavam como importantes. Percebeu que cada sorriso valoroso viera de todo lugar, menos dele.

Conversando, vimos que não havia saída. Ou ele continuava seguindo a passos largos o caminho da solidão - e sabedoria - ou deixava tudo para trás. "A alegria reside na ignorância", um poeta pensou de longe. Então vimos que o melhor a se fazer era matá-lo, ali mesmo, naquela hora de reflexão. E assim o fiz, uma bala bem na cabeça, sem deixar possibilidade de sobrevivência.

Não me julguem mal, eu fiz um favor ao nosso amigo. Ele sabia que cada dia seria pior, se continuasse a perceber que a alegria que observava nas pessoas, além de não ser dele, era totalmente ignorada pelos sujeitos de sua existência. As pessoas não se importam com as coisas que realmente as fazem felizes.

Como eu o conhecia tão bem? Ele era eu, ontem.

T.Rodrigues

terça-feira, 29 de maio de 2012

Um Soneto de Cummings

Do amor é a função de fabricar desconhecimento
o conhecido não deseja, mas desejar é amor
embora se às avessas, o idêntico sufoca o uno
se confunda a verdade com o fato,
se gabem os peixes de pescar,
e por vermes, homens sejam apanhados
não se importa o amor
se troteia o tempo, declina a luz, vergam-se os limites
afortunados são os amantes, pois se submetem ao indescoberto
pois choram e riem, sonham, criam e matam
enquanto o todo se move, quieta permanece cada parte.

Se não for sempre assim e no futuro
de um novo amor o beijo experimentares,
se de minhas mãos fugires no escuro,
e outro coração aprisionares,
se no silêncio de um momento impuro,
teu cabelo em outra face roçares,
e essas histórias de prometo e juro,
com voz amiga a mais alguém contares,
se for assim, amor, se for assim,
dá-me um aviso, pois serei honesto
e a ele ofertarei num simples gesto
toda felicidade que há em mim.

E bem de longe ouvirei a cantiga,
De um pássaro triste, na terra perdida.

E.E. Cummings, traduzido e adaptado por T.Rodrigues

segunda-feira, 28 de maio de 2012

O dilema da Diana

Na minha mocidade, quando vivia lá pelas bandas de Belo Horizonte, ouvi um conto sobre um ser divino, - mas muito complicado - Diana, a deusa da caça. Vê se pode! Guerreira dos olhos cor de floresta, ser angelical dos cabelos loiros, parecia ser feita para seduzir, e era perita na arte da caça. Era tão boa que, sem muito esforço, pegava qualquer presa. Mas só caçava presa errada!

Deusa majestosa: corpo lindo de mulher e cabeça de moça! Não sabia o que queria a coitada. Quando descia a escada pro mundo dos mortais, dentre os homens via coelho e lebre: mas só ia caçar cobra e raposa! Bichos traiçoeiros. Valiam nada. E ela lá, divindade soberana, toda indecidida. Dava pra ver, só queria ser feliz, mas só escolhia mal. Muito mal. Muito mal mesmo, tadinha.

De caçada em caçada ela encontra o moço Felipe, rapaz do cabelo cor de terra, muito coração e pouca estratégia. Coitado. Logo esse garoto sem fé, foi topar de cara com a deusa da caça. Mas quem caça cobras e raposas por tempo demais acaba acostumando, e em cinco minutos Diana fez de Felipe caça - e como fez - o coitado ficou sem reação, e virou presa, claro.

O que ninguém imaginava era isso:  não é que o garoto gostou de virar presa? Olha só! Depois de encontrar Diana, as mortais perderam a graça: Felipe agora só queria saber do andar de cima. E olha que uma hora dessas a deusa da caça já estava lá, caçando uma cobra velha (ou uma raposa, afinal, era só presa errada).

Só que a deusa não esperava por essa, estava acostumada a deixar seus troféus guardados, nunca mais botava a mão neles. E quanto as cobras que perseguira em outros tempos, todas se foram. Afinal cobra não volta, nem pata tem, bicho traiçoeiro. A reação foi hilária, quando em terras divinas ela escuta a prece do rapaz: "Me caça outra vez, ó santidade!" Foi tão inesperado que a deusa ficou sem saber o que fazer e não respondeu a prece. Vê se pode. O primeiro coelho pedindo pra morrer em seus olhares santos (uma segunda vez) e ela lá, sem saber o que dizer. "Finge que nunca me caçou! Aproveita agora, que tem coelho pra caçar, antes que mais cobra apareça!"

Onde já se viu, lebre pedindo por ponta de faca! Agora a deusa não sabe se fica com coelho ou com cobra. Ou se pára de caçar, coitada. Dizem que até agora a deusa não deu resposta. E se de noite a gente vai pra beira da lagoa (da pampulha) a gente ainda escuta o rapaz pedindo baixinho:

 - Me caça outra vez, minha santidade!

T.Rodrigues

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Diego e Palloma


É isso aí. O casamento do meu melhor amigo é amanhã. É difícil acreditar (não por ser ruim), é que ontem tínhamos 13 anos e estávamos lá, jogando videogame no sítio, comendo pão com presunto e tomando achocolatado, e amanhã ele estará dizendo "eu aceito" pra pessoa que mais ama na vida - ou talvez começando a ter uma vida.

Quantas histórias poderia contar sobre esse cara. Sempre o considerei alguém de respeito, que batalha pelo que quer e sabe a hora de parar de brincar e falar sério. Sempre decidido e sempre soube o que queria. Na nossa adolescência era assim, e agora, 10 anos depois, garanto que continua o mesmo. Afinal é assim que as pessoa decididas são: decididas por toda vida.

Eu estava lá quando ele disse que se apaixonou por ela. Que queria algo com ela. Os dois tem muita sorte de terem se encontrado: são duas pessoas sensacionais. Convivi muito pouco com ela, mas sei disso. Eu acho que os grandes se atraem.

A vida é uma caixinha de surpresas, e disso a gente sabe. Eu tive meu tempo distante desses dois, mas agora tenho a honra (e que honra) de ser padrinho do casamento deles. Amanhã, quando o dia acabar, deixarão de ser "duo" para se tornar "uno" em matrimônio, e só posso desejar o meu melhor.

Posso dizer - com sinceridade -  que um dia quero ser assim. Me tornar alguém tão admirável como ele. E talvez, fazer uma mulher feliz o suficiente para pedi-la o pedido entre todos os pedidos. E fazer diferença, nos pequenos detalhes, nos grandes, ou talvez apenas nos necessários.

Que a felicidade siga vocês por toda vida, e que Deus os abençoe.
Esses são meus votos de honrado padrinho, de amigo, e de irmão.

Com carinho, T.Rodrigues

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Diagnóstico

Consenso não se acha entre o médico e o filósofo
- Administre duas ampolas de bom senso doutor:
explique a esse o homem que o mal dele é amor!

T.Rodrigues

terça-feira, 15 de maio de 2012

Quando vieres ter comigo

Quando vieres ter comigo, não saberei o que dizer. Preparei-me por tempo - incontável pra quem sente -  mas as palavras se absterão, e plantarão em seu lugar a incerteza. A boca que se abre imita o boneco do ventríloquo, e as palavras se tornam mudas. O lábio que se movimenta prevalece em silêncio. E prevalecerá, quando teus olhos verdes de floresta - esses onde perdi-me no passado - ousar encontrar os meus, marrons de pavor.

Quando vieres ter comigo, não saberei o que fazer. Talvez  tu presenteie-me com sorrisos e entrando pelo vão da porta, me consuma em fogo e fúria. E quando o lugar se ater em cinzas, desenterre meus instintos mais guardados - em segredo, jogados ao acaso - e me faça corar de raiva e fervor. Desse impasse improvisado, vejo-a rindo de mim, colocando-me na palma de tua mão de linho e fazendo-me cativo de meus próprios desejos revelados. E quando nessa verdade me perder, tua malícia de mulher mais vivida fará com que te veja má, pronta para despedaçar-me quando quiseres.

Quando vieres ter comigo, não saberei que medida tomar. Expulso-te do meu quarto, mando-te voltar donde  vieres e peço-te que nunca retornes - sabendo que sou em ti o que és em mim - ou finjo que nunca fostes embora, canto-te uma canção, esvazio outra gaveta em meu coração peregrino, para que coloque suas meias e roupas e faça morada - mais uma vez - na sala que sempre foi tua?

Mas ora, pra quê pensar no dia que vieres ter comigo? Sabe-se-lá se chegará o dia - esse tão comum aos de hoje - quando acordares pela manhã e ansiastes por minha presença. Dia esse de um conto de amor que vinga sem ponto final, que repassa a história sem longos dramas ou despedidas imaginárias.

Dia esse, que tu te encontras a pensar "quando ele vier ter comigo, saberei eu o que fazer?"

T.Rodrigues

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Meu jeito de vê-la

Foi ela quem me pediu pra levar o guarda chuva,
e não chegar tarde em casa.
Me ensinou os bons caminhos,
e me mostrou onde os ruins ficam.
Ela me disse o que eu precisava ouvir,
mesmo na hora que eu não queria,
e me calçou com chinelos,
para o frio não me resfriar.
Acertando ou errando, ela estava lá,
e quando eu procuro no dicionário a palavra "amor"
começo pelo "m", de "mãe".

T.Rodrigues

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Nossa pequena canção

Ela veio e tocou alguns acordes
se apresentou e disse "como está você?"
Eu só pude perceber o doce som da sua voz depois
depois de ter percebido que a música já tinha começado
nem o refrão tinha chegado e eu já havia me perdido completamente
no som daquela voz de anjo a me contar histórias
Da vida dela, a que passou, antes de mim e depois
e eu ali tonto a perceber que ela era tudo que eu queria e nada mais.
Mas a revolta toma conta do segundo ato
"Eu acredito em amores impossíveis" ela disse
Mas parecia não acreditar tanto assim
Das coisas em comum que tínhamos, restaram poucas
Um oi, um olá ou um adeus fechavam cada verso
E a música foi sendo tocada.
Minha mente dizia que talvez um dia ela me amasse também
meu coração que devia confiar, não se convencia.
Chegou a hora do solo de guitarra, e a paixão foi fogo
Queimou as partituras que tinha, minhas notas foram esquecidas
O campo harmônico que tinha em mim, simplesmente caiu fora de tom
Hoje eu escrevo as notas todas tortas
Falta sentimento na melodia
Sinto falta daqueles acordes doces, do timbre agudo
e mal deu tempo de perceber (talvez eu não queria aceitar)
que o refrão já repetiu, e a música já acabou.

T .Rodrigues

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Corpo perdido


Três meses em coma.

Uma mantra de possibilidades me norteava enquanto desacordado. Via a situação de cima e parecia ser melhor continuar assistindo meu corpo se deteriorar de camarote. E nem por um segundo senti dor ou remorso: me sentia justificado. Assistia as pessoas entrando na sala, me olhando naquela situação e sentindo pena, compaixão, ou qualquer outro sentimento que tente justificar uma opinião formada sem empirismo. Um medo obtido pela total falta de compreensão. Talvez o ditado esteja certo: As pessoas temem o que não conhecem.

Essas pessoas entravam e se colocavam como juízes da vida. "Meu Deus, por quê?", "que pena, um médico tão brilhante!", "tão novo para sofrer assim!". Enquanto as assistia, me perguntava o por quê de tanta lamentação. Estava feliz por estar naquela posição. Me via vivo, mesmo estando em coma. Me sentia feliz, mesmo sendo uma imagem refletida no espelho que parecia ter uma percepção extra-sensorial.

"Afinal, essa é a vida. Coisas ruins acontecem a pessoas boas." eles diziam. E assistiam aquele corpo vazio deitado na cama, sem compreendê-lo. Para mim, eles que se encontravam em coma. Seus corpos se encontravam muito mais vazios do que o meu.

Andavam vazios em suas vidas. Pessoas com família, filhos, esposas e maridos, todos vazios por dentro. Não compreendiam que cada dia é uma benção, e que o amanhã é incerto. Dos que juntam suas mãos em oração para ratos no oriente, para o crucificado ou qualquer outro: Mal entendiam que cada dia é uma dádiva, dada por alguém ou pelo acaso, mas ainda uma dádiva. Os que entendiam tomavam atitudes erradas quando à frente de tal revelação. Achavam que boas ações tornariam suas almas justificadas, e garantiriam seus lugares no paraíso.

Eu os assistia gritar para o vento suas confissões. Homens traídos andando sobre um mar de convicção. Vazios. Filhos esperavam por pais em casa que nunca lhes davam tempo ou a atenção que precisavam. E quando adultos, confundiam o valoroso com o útil, e acabam por gastar suas vidas conquistando dinheiro suficiente que preenchesse seus vazios interiores. E todo o dinheiro do mundo seria pouco demais.

Me encontrava mais preenchido do que nunca, o vazio cabia melhor dentro de mim do que eu mesmo. As verdades que disse antes, agora vingariam. Meu corpo  parecia fazer juízo quanto a distância inacabável que o universo proporciona. Uma lei simples: A luz que se propaga nas trevas, não o contrário. E quando a hora de ceder chegasse, a experiência seria outra. O coração batia, o pulmão fazia seu trabalho, todos tentando me manter na escuridão. Acordar parecia opcional, o lugar em que me encontrava parecia muito mais claro. E nessa lucidez ao contrário, as pessoas entravam e choravam por mim.

Me visitavam como se eu fosse vítima da situação. Quando na verdade, eles olhavam para a maca querendo  meu lugar, e nem sabiam.

T.Rodrigues

quarta-feira, 25 de abril de 2012

O garoto e a bicicleta



Era um menino de uns 11 anos, que andava de bicicleta na rua da sua casa e se divertia muito, quando em uma das curvas que ele fez na esquina, caiu num tombo feio. Sua mãe (que assistia de longe) foi lá socorrê-lo de imediato e viu o garoto com o braço sangrando, mas ele estava bem. Depois do susto, decidiu analisar melhor.

- Ai mãe! Tá doendo!
- Eu sei filho, mas vai passar. Deixa eu ver isso aqui. - respondeu vendo o braço do garoto, onde havia um corte pequeno e percebeu que tinha sido profundo - Nossa... Machucou feio! Acho que vamos ter que dar pontos nisso ai.
- A mãe, hospital não, por favor!
- Não tem jeito. Vou ter que te levar.
- Tá doendo muito... Nunca devia ter subido naquela bicicleta. Agora vou ter que ir pro hospital por causa dela! Não ando de bicicleta nunca mais!
- Não diga isso, não é por que você caiu que vai querer parar de andar de bicicleta.
- Vou sim - respondeu o garoto fazendo uma cara feia - a minha está toda quebrada agora!

A mãe deu um tempinho pra o garoto se recompor. Eles foram pra casa e ela levou consigo a bicicleta (ou o que restava dela). Algum tempo depois envolveu o lugar do corte com uma toalha limpa e se preparava pra colocar o garoto no carro e ir para o hospital. Quando ele se acalmou, a mãe decidiu continuar o assunto.

- E ai, melhor? - perguntou a mãe.
- Estou, só esse braço que está doendo. Maldita bici... - e foi interrompido por um tapa carinhoso, ele já sabia que era por causa do "maldita".
- Vou te comprar uma bicicleta nova amanhã. - respondeu a mãe.
- Mas eu não quero outra, eu queria a minha! E agora não vou ter mais, por que está toda quebrada. Acho que não volto a andar mais nesse negócio.
- Ora! Claro que vai! Ou você acha que por causa de um tombo e por ela ter quebrado, você nunca mais vai querer andar?
- Ela era especial pra mim! Gostava tanto dela. E o tombo vai deixar uma cicatriz aqui no braço - alisou o lugar e constatou que mesmo pequeno, realmente deixaria uma cicatriz - e se um dia eu quiser andar de novo, vou olhar pro meu braço e me lembrar desse tombo e provavelmente não vou querer andar mais.
- Mas não é assim que a vida funciona meu filho. A gente cai, de vez em quando ficam marcas, mas é assim que funciona! As cicatrizes fazem parte de quem você é, hoje você está chorando por ela, mas amanhã quando olhar pro seu braço vai rir e vai pensar no quanto você se divertia andando nela!
- É mãe, talvez você tenha razão. Mas quando eu lembrar o quanto me divertia, só vai dar mais vontade de andar nela de novo - concluiu triste.
- Mas você pode ter outra bicicleta depois dessa. Não é por que essa foi a mais divertida, que a próxima não será! E se você cair de novo e quebrar outra, não tem problema. Sempre existirá uma bicicleta nova esperando por você em algum lugar e quando você menos esperar vai perceber que pode se divertir de novo, pedalando.

Mais tarde, já em casa, o menino ficou pensando naquela conversa. Nesse dia, ele foi para o hospital e voltou com 3 pontos no braço. Quando foi dormir, nem lembrava da conversa que tivera com sua mãe. Para ele, aquela bicicleta quebrada (agora quase sem valor) representava muito mais que um brinquedo qualquer. Era a mais importante que ele já teve, mesmo durando pouco como durou. Olhando pro seu braço, enfaixado pelos pontos, chorou um pouquinho. Não pela dor, nem doía mais. Ele chorava por que não ia ter a bicicleta pra andar de novo e pensou seriamente em nunca mais andar em uma. Como eu disse, ele já tinha esquecido dos bons conselhos de sua mãe.

Quantas vezes não somos assim? Nossa bicicleta vale tanto pra gente, que se ela quebrar, talvez também pensemos em abandonar as duas rodas. O que é engraçado, por que o coração é um ciclista que cai frequentemente, quase sempre com tombos que deixam cicatrizes.

E agora olho pro meu braço, enfaixado.

T.Rodrigues


Concluso

Quando a voz calou-se,
choveu tristeza
os ipês continuam roxos, mas mortos
o que era alento tornou-se inquietude
Quando a voz calou-se.

Quando o conforto se foi,
deu lugar a apatia
o maior vazio preenchido que vi
caiu no paradoxo mais simples do mundo
Quando o conforto se foi.

Quando me perguntaram "por que tão triste",
a resposta me parecia óbvia
a escuridão é sempre maior que a luz
exemplo disso é o universo
não sobra sol após um dia de doze horas
Quando me perguntaram "por que tão triste".

T.Rodrigues

terça-feira, 24 de abril de 2012

Veio e não saiu

Sou grato por nunca ter vivido próximo da água,
por que assim eu nunca me acostumei com a praia.
E me sinto grato por não ter crescido sob uma montanha,
para saber o quão alto o mundo pode ser.

Sou grato por apenas imaginar o momento.
Grato por ela nunca ter se apaixonado por mim.
Me sinto estranho por não pensar igual,
observo os que trocam sonhos por explicações,
numa tentativa absurda de se divertir.

O truque do amor é nunca deixá-lo te encontrar.
Talvez seja fácil superar esquecendo.
A gente acaba sabendo o "como" e o "onde",
mas nunca o "agora" e o "depois".

Por que o adeus veio, mas de mim ela não saiu.

T.Rodrigues

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Entre o Simplício e o Orgulhoso

- Você acredita em segundas chances? - perguntou o simplício ao orgulhoso.
- Não existe esse tipo de coisa. Quando acaba, acaba.
- Mas e se a gente quiser, como que que faz?
- Não sei, esquece, ou desiste. Deixa pra lá. 
- Mas eu sinto que tem mais coisa por vir.
- Se você sente, sente errado. Afinal, não foi você que quis assim?
- Foi, mas a falta que me faz machuca.
O orgulhoso nem exitou em responder: - Mas se machuca, é por que você deixou de querer.
- Ora, mas que bobagem! Claro que quero, eu sinto falta!
- Se você quisesse de verdade não machucaria. Onde está o seu orgulho? Esquece da falta, esquece dela!
- Pra você parece fácil, parece possível. - o simplício respondeu com tristeza.

E para o simplício parecia impossível mesmo. A cada dia que se passava ele ouvia mais besteiras, e as pessoas diziam com sorrisos falsos: "calma, você vai se acostumar", "fica tranquilo, melhor remédio pra dor é esquecer!" ou a pior das falácias: "só se esquece de um amor com outro!". Mas pra ele não era assim. A vida pra ele se tornara um quarto escuro, de noite, quando a gente tenta dormir e não consegue. E a noite começa e se prolongar. E os pensamentos começam a vir. E os corredores na mente começam a se formar. Aquelas frases soltas na cabeça da gente, aquelas mil maneiras de pensar na mesma situação.

E as horas se arrastam:

"Eu poderia estar errado."

"Eu poderia estar pronto."

- Deixa esse orgulho de lado e vai atrás dela, vai fazer bem pra você. - implorou ao orgulhoso.
- Lá vem você com suas idéias erradas! Se recomponha primeiro, e depois a gente pensa nisso. - disse com  agressividade, pois o simplício estava em pedaços.
- Não me venha com essa de "se recomponha". O que vale é o agora. Corre atrás dela enquanto é tempo!
- Mas eu tenho medo. - pela primeira vez o orgulhoso confidenciou com sinceridade.

E o orgulhoso tinha medo mesmo. Não era apenas o fato de não acreditar em segundas chances, tinha mais coisa envolvida. Aliás, no fim, o que mais preocupava o orgulhoso era o "tem tanta coisa envolvida". Só que a pergunta que mais o assombrava, nada tinha a ver com segundas chances.

A pergunta era simples. O que vem depois do adeus?

- Você acha que ela está melhor sem mim? - disse o orgulhoso, deixando o orgulho de lado e perguntando baixinho.
- Claro que não! Quer dizer, não sei... Não sei o que ela queria. Ou o que quer.
- Eu mudaria por ela sabe. Deixaria o orgulho de lado pra ver ela sorrir mais uma vez. Mas queria que ela lutasse por mim, não me deixasse ir assim tão fácil. Talvez isso prove que ela não quer mais, não sei. Mas esperava ver o que tem de errado comigo, pra dizer que sempre foi assim. E depois consertar. É triste demais. - o orgulhoso concluiu, e a tristeza era tanta que o orgulho parecia ter ido embora.
- Talvez ela sinta sua falta. Não desista!
- Talvez desistir seja um dos maiores atos de coragem meu amigo.

E talvez seja. 

O que penso é que depois do adeus vem a saudade. E depois da saudade vem o arrependimento. Mas talvez ela não se arrependa. Talvez seja a hora de eu pular desse barco, e nadar com os peixes, me apaixonar por eles... E devorá-los no final. E quem sabe no fim eu aprenda que os peixes são mais bonitos de longe. Talvez não exista mais lugar pra mim na sua embarcação, mas peço que não navegues pra longe. Por que te perder de vista dói, e dói muito.

E no fim, se você reparar, vai perceber que o simplício é o meu coração, e o orgulhoso é minha mente.

T.Rodrigues

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Diálogo no Jardim

- Vem - disse a rosa ao olhar para mim - e me canta uma canção bonita, uma canção que me alegre! E quando não puderes mais cantar, vai-te e prepara-me uma nova.

E coloquei-me a cantar a mais bela canção que pude. Na canção se falava de rosas, se falava de olhos verdes e de fábulas. Pena que minha rosa não sabia que minhas canções cessariam quando voltasse. Mas ela me pediu, logo não poderia fazer algo além de cantar-lhe a canção.

Era jardineiro fiel, gostava das rosas e elas gostavam de mim. Quando visitava o jardim, podava-lhes as folhas, cuidava de seus potes e dava-lhes água. Quando cuidei, me fiz necessário. E necessário continuei.

No outro dia pela manhã, ao avistar minha rosa pude tratá-la novamente.

- Que bom que viestes! - disse minha rosa a avistar-me.
- É claro que vim minha flor, pois tenho que cuidar de ti.- disse com carinho, e vestido de um pequeno sorriso.
- Mas se vens, vens por que deseja, e cuidas de mim por que quer. Logo, se assim o faz, fico feliz.
- Obrigado. Mas venho sempre sim. Pois pra ti sou necessário.

E os dias passam no meu jardim, e a rosa vai crescendo, desabrochando, e junto com a primavera vem suas melhores pétalas, seus melhores cheiros. E quando podia, ela me chamava pra lhe fazer carinho, cuidar dela, mesmo quando não era necessário. E me pedia novas canções, novos hinos e carícias. E nessas canções, encontrava a felicidade da minha rosa, e nela encontrava a minha. E quando os cuidados se faziam algo além do necessário, me tornei útil. Ora, a rosa precisava de água para viver, logo, eu lhe fazia viver, pois trazia sua água todos os dias. Ora, os ouvidos da minha pequena se faziam sedentos por novas canções, eu as cantava, logo, eu poderia saciar sua sede. E quando assim o fiz, me tornei útil. E útil continuei.

- Meu dono, tenho algo a lhe perguntar. - disse minha pequena flor, e continuou - se traz-me água e mata minha sede, sinto-me viva. Se vens e toca suas canções, sinto-me amada. Se és necessário, e útil, falta-te ser amado também, mas não sei como fazê-lo.
-  Ora minha pequena, pois se sou necessário assim o farei. Se sou útil, assim o serei. E quanto a amar-me, esqueces disso! Pois o amor vai além do domínio do homem. Amas por quê amas, e assim o farás. O amor só é compreendido em si mesmo, pois só ama quem ama em si.
- Mas se tu és necessário, e útil, com posso não amá-lo? - perguntou-me, e senti sua cabeçinha de pétalas com uma dúvida tão cruel que sua carência tocou meu coração.
- Minha pequena, quando me amares, saberás. - dei-lhe-a um beijo e fui embora.

E quando lhe disse sobre o amor, novas perguntas surgiram na cabeça de minha pequena. E quanto as perguntas, sempre as respondia com minhas melhores filosofias, e minha rosa amava meu jeito de ser, mas não me amava ainda. Não fazia diferença, pois no fundo sabia que a amava por amar em si, e nada lhe pediria em troca. Sempre perguntas, mas jamais dúvidas. E quando as perguntas vinham, eu as respondia, como jardineiro fiel. Pois a amava, e quando assim o fiz, me tornei valoroso. E valoroso continuei.

Pois o inverno veio, e com ele a dúvida. Pus-me a regá-la com mais frequência para que não sentisse sede, e lhe fiz uma redoma para que os insetos não a machucasse. E quando suas folhas caíram, expliquei que o velho dava lugar ao novo na primavera. E quando a primavera veio lhe tirei a redoma, e me fiz mais observador.

Mas as chuvas da primavera vieram, e regaram minha rosa, e já não era preciso que eu fosse ao jardim para que a regasse. Pois quando assim se sucedeu, deixei de ser necessário. E o fim das chuvas veio, e com ele os passarinhos também. E cantavam novas canções, e visitavam minha rosa todos os dias. E quando cantavam, minha flor viu que não precisava de mim para que fosse ao jardim cantar para ela. E ali lhe ocorreu que não eu não era mais útil. E quando os passarinhos se foram, as abelhas vieram, e cheiravam minha rosa com suas asinhas de inseto, e sem machucá-la iam embora. Logo, quando minha rosa percebeu que não precisava de mim para lhe fazer carícias, deixei de ser valoroso.

E minha rosa seguia feliz pelo campo, mas não precisava mais de mim para isso. 

E quando já não era necessário, nem útil, nem valoroso, notei que na verdade eu é quem devia entender o que o amor é. Pois na minha falta não notada, percebi que como jardineiro fiel lhe fiz feliz enquanto pude, e da melhor maneira que consegui. Mas quando não era mais necessário, nem útil, nem valoroso, fui-me embora, e deixei de ser jardineiro. Pois não cuidava mais de rosa alguma.

E quando fui-me embora do campo, percebi que na verdade, quem me ensinara sobre o amor era a rosa, e dele eu nada sabia. Pois o amor permanece em mim, mesmo não sendo mais seu jardineiro. E a falta que a rosa faz não posso medir, mas atenho-me ao fato de que, se a felicidade da rosa está na minha ausência, ausente serei.

E quando deixei de ser necessário, e útil, e valoroso, me tornei ausente. Me tornei memória. E memória continuei.

T.Rodrigues

sábado, 7 de abril de 2012

Tão perto e tão longe

"Há algumas coisas que queria te dizer meu bem, mas preferi guardar. Há coisas que queria te mostrar, mas não pude, e não sei se poderei. Distante. Menos meu. Menos seu. Me ocupo quando não sei se a culpa é de quem culpa, não me culparei.

Saber o que sou. O que sou pra mim e o que sou pra você, já não sei meu lugar. Nas estradas, na distância que percorri, sozinho, mas querido. Agora não mais. Pode ser pedir demais. Posso estar errado, talvez esteja. Mas faz bem ser querido, faz bem gostar um pouco. Senão, pra quê? Se não faz falta, pra quê fazer..."

T. Rodrigues

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Discurso de Um Rei de Lugar Nenhum

PORTINARI, Candido

E colocando-se de pé, subiu no palanque e começou um discurso pra ninguém:

“Boa tarde meus fiéis, amigos ou não, habitantes do reino. Sinto-me feliz em dizer hoje que reino sobre vossas cabeças. O papel do rei é admitir e zelar pela vossa vida, dando-lhes condições para que desempenhem o vosso papel quanto cidadãos. Quanto súditos. E fico feliz por ater-me a essa meta. Digo-lhes hoje, fiéis, que desempenho esse papel com êxito. Aos que me escutam, sinto que cumpri com meu dever. O peso que vossa vida tem sobre minha cabeça real, é um fardo que consigo carregar com vigor. E fico feliz em ser rei de um reino tão promissor.

Em meu reino não tenho problemas com fome, vós sois fortes e saudáveis. Não tenho problemas com a felicidade de vós outros, pois não recebi reclamações quanto à vida que a vós foi designada. Não ouço o choro das crianças, o pesar dos adultos nem a reclamação das mulheres. Sinto-me realizado. Quando o povo se cala, o silêncio é a prova do consentimento. Quando o povo não protesta, prova que seu governo é eficaz. Quando o silêncio é a arma, a estagnação é a moeda de compra. Sinto-me feliz de reinar num lugar onde não há reclamação quanto a minha política e didática de soberania.

Sou rei, independente de meus súditos. Sangue real é sangue real independente das circunstâncias. Os únicos que podem me tirar do poder estão em silêncio agora. Por isso estou feliz. Pois sou o melhor rei que meu povo poderia pedir. Vir a vós hoje e discursar é simples. Faço-me discurso vivo. Enquanto vocês não me calam, posso discursar a vontade. Posso exercer meu papel sem problemas.

Tomem como exemplo outros reinos. Imaginem! Lugares onde há barulho, onde há protesto, onde há súditos que discordam de seus reis e rainhas. Reis desgraçados à sós sois! Quando se deitam em seus aposentos reais à noite, sentem o peso de seu pecado. Nem o sangue real consegue limpá-los. Pois dão ouvidos os seus povos, se preocupam com a ignorância dos desfavorecidos, e atendem as exigências dos mais velhos. Que tolos! Todos nós, nobres reais, sabemos que a sabedoria reside nos velhos. E dar uma chance pra que a sabedoria deles perdure é se jogar na cova! É dar-se de comer para leões famintos! Pois o povo na ignorância é feliz, mas o povo sábio é explosivo.

Mas não em meu reino. No meu reino não dou ouvidos, não atendo a exigências, são ladainhas alheias. Olhe como meu reino funciona! É a prova viva e que desempenho meu papel formidavelmente. Pois sou rei de um reino sozinho. Sou senhor de minhas próprias idéias, e a loucura a que me acometi fez-me ver com olhos infinitos. Vi o problema e o solucionei por raiz. E o problema é simples demais para que olhos sãos possam enxergar.

Pois o povo é o problema do rei. Enquanto calados, imóveis, satisfeitos... São ótimos súditos. Mas quando percebem que estão sendo explorados, roubados em silêncio, abusados e iludidos... Unem-se de uma forma explosiva, e o reino se desfaz. O poder que tenho sobre mim é imediatamente acometido e negado. Pois é na sabedoria popular que meu imperialismo é derrubado.

Quanto a minha loucura? Não sou louco. Muito pelo contrário... A vós que estão a ouvir, reflitam agora sobre seus conceitos. Seus governos. A vós, me direciono com palavras reais. Não reais de realeza, mas reais de verdadeiras. Observai seus governos, e principalmente, a atitude de vocês quanto súditos. Sim, súditos, por que os ocidentais vieram com a ladainha da “democracia” quando na verdade o termo não é nada além de uma conversa pra convencer servos de que não são servos.

Suas atitudes enquanto súditos. Sim, pois vós sois a voz que não quis se ausentar do silêncio. Sois a espada que jaz cega por sobre a mesa do samurai, em plena guerra. Sim, sois o sal que não tempera. Pois a vós foi concedido poder, poder para revoltar-se contra os opressores, contra os malfeitores. Contra políticos corruptos e falsas idéias democráticas. Foi concedido o poder de se voltarem contra a minha pessoa, mas continuo rei. E quando meus súditos se encontram insatisfeitos, o que fazem? Calam-se.

E a vós me refiro como a “ninguém”. Pois a voz que se cala é voz nenhuma. O povo que não protesta não passa de peso vivo. Onde a loucura reside agora? A mim que discurso a ninguém, ou a vós outros, parte de um todo maior que, quando somados, são iguais a zero?

A isso vos saúdo! A isso lhes agradeço, por tornarem-me rei tão feliz. Por serem igual a reino nenhum, a povo nenhum, e meu discurso vazio não passa de uma realidade a muito vivida por vocês. “Pois quando calados, me fazem feliz, e assim continuarão.”

E aplausos vieram de algum lugar. Ouviram-se gritos de fervor. Naquele dia os reis sorriram, e os súditos continuaram suas vidas vazias como um povo, como um nada.


T. Rodrigues

quarta-feira, 28 de março de 2012

Vem cá me dizer o necessário

Olá, bom dia, como você está? Seu rosto me parece familiar. De repente me parece perto. Hoje eu acordei meio estranho, não me lembro bem por quê. O que te fez acordar tão cedo? A sim, claro, você tem que trabalhar. Me esqueci disso. Venho esquecendo muita coisa ultimamente. Mas você é linda sabia? E me parece tão familiar.

Os discursos pra mim parecem novos sempre. Não existe reprises... É tudo tão novo! Tudo parece igual, e tão diferente. As conversas, tão fascinantes. Você é linda sabia? Mas acho que já disse isso. Ou não... Não me lembro. Mas enfim, que falta de educação da minha parte... Bom dia pra você! De vez em quando me esqueço de cumprimentar. Desculpe por isso. Sou tão esquecido as vezes.

Me esqueço até do que preciso. Mas afinal, o que é necessário ser lembrado? O que pra você é necessário? Sua tv, seu computador, seus livros... Provavelmente você não falaria que precisa de ar. E se as pessoas não lembram nem do ar... Como podem saber o que realmente precisam... Tão triste...

Mas você é linda sabia? Algo me diz que eu preciso de você. Preciso te dizer essas coisas. Mas não me lembro bem por quê. Não te disse que era linda antes por pura falta de modos... Parece que é necessário te lembrar disso. Vale lembrar.

Mas hoje eu acordei meio confuso. O que aconteceu ontem é um emaranhado de ideias e lembranças borradas. Parece que nem existiu pra mim. Acho que bati a cabeça ontem. Nunca achei que poderia doer tanto quanto agora, e parece que a dor vai ficar. Mas acontece né? E você é tão linda! Veio pra cuidar de mim? Uma moça tão nova... E eu nem sei a quanto tempo estou aqui.

Você já olhou pra janela? Vai lá... Dá uma espiadinha. O dia está tão lindo... Não sei qual foi a última vez que o vi desse jeito. Vai lá, respire na janela. Você vai se sentir tão bem, tão livre... O ar daqui do alto é mais puro. A sensação é ótima. Venta muito por aqui. Estou aprendendo a respirar de novo.

E no fim as coisas que sei quero aprender de novo, e divido minhas ideias entre coisas que não sei e coisas que não me lembro. Mas o dia está tão lindo lá fora... Vale a pena lembrar disso! Mas afinal, o que é necessário? Hoje eu acordei tão cansado, tão confuso... Me sinto exausto. E eu nem percebo que esqueci as coisas.

Mas vem cá que eu quero te mostrar uma música. Isso, mais perto. Esse piano é tão bonito. Está escutando? Essa música é muito linda também. Eu toquei ela na festa de casamento do meu irmão. Bom, já não me lembro tão bem assim. Acho que foi essa música. Ela me lembra de um poema... Não sou capaz de recitá-lo pra você agora. Me desculpe. E você é tão linda...

Engraçado, parece que já nos conhecíamos não é? Esse seu sorriso me lembra muita coisa... Mas é meio complicado descrever sabe? Ultimamente estou tão esquecido... Espere um pouco...

A meu bem, é você não é? Me desculpe... Por quanto tempo eu estive fora dessa vez? Meu Deus, tanto assim... Eu não esqueci de você. Seu rosto estava o tempo todo na minha cabeça. Mas estava difícil te associar... E quando as memórias vem, chegam com tanta força que parece não ser real. Mas eu me lembro de você. Lembro desse seu sorriso! Não vai, não chore... Por que você está chorando? Eu amo você. Desculpe por ser tão incapaz, tão... Esquecido.

Aproveite minha lucidez, vem cá me dizer que vai ficar tudo bem... Eu preciso de você. E você não desiste de mim... Nem agora, que já está tão difícil. Eu morro devagarzinho por tudo ser assim. Não é esquecer, é me lembrar que você está gastando a vida comigo. Isso é tão triste... Mas você não desiste de mim não é? Vem cá, deixa eu te dizer que te amo de novo. Vem pra perto. Me perdoe amor.

Não chora vai... Eu disse algo errado? Não queria, me perdoa, não foi intenção. Mas afinal, o que disse mesmo? E onde estão meus modos...

Bom dia! Como você está? O dia está lindo não? Você me parece tão familiar... E é tão linda...

domingo, 25 de março de 2012

Só mais um "Tarde Demais"

E a gente fica perdendo tempo, na janela da vida, assistindo ela passar. Enquanto poderíamos estar lá fora brincando na varanda, nos divertindo e vendo que a felicidade vale a pena.

E eu imagino a história. Em algum lugar, existe um pai que trabalha de mais e um filho dentro de casa esperando. O pai trabalha pra dar sustento, pra colocar comida na mesa. E o filho, bom, o filho brinca. Se diverte fazendo coisas de menino, e uma das coisas que menino mais faz é não concordar com as coisas.

Um dia o pai deixa o menino na escola e vai trabalhar. Um dia normal, corriqueiro, pro pai. Pro menino era um dia diferente, ele acordou sentindo algo diferente, queria contar pro pai mais não teve tempo. Não pôde perguntar mais cedo o que estava acontecendo com ele, era estranho.

Mas o mundo gira, e gira, e de vez em quando acontecem coisas inesperadas.

O menino estudava numa escola chamada Santa Rita. A escola ficava num lugar pacato da cidade, perigoso, mas era perto de onde o pai trabalhava, e era fácil o acesso.

A aula acabou mais cedo e o menino quis passar no trabalho do pai pra poder ir embora junto. E então chegou na empresa dele e mandou chamá-lo. O pai, dizendo que não tinha tempo, e recriminando a ação do filho, ordenou que voltasse pra casa de ônibus.

E, não entraremos no mérito de como, pra não descrevermos demais, mas nesse dia, ouve um acidente de ônibus. E o menino estava nele.

E o pai caiu na maré de arrependimentos, quando foi visitar o filho no hospital, disse que foi um tolo e que devia ter esperado, coisas que a gente faria numa situação dessas. Mas o acidente em si não foi o pior, o acidente levou ao diagnóstico de leucemia, um quadro já avançado, do menino.

Conversando mais tarde, os dois a sós, o pai perguntou com lágrimas nos olhos pro filho na cama se era isso que ele sentira de diferente naquela manhã, o que não deu tempo de perguntar. Quando foi responder, o menino disse "Não pai, é que hoje eu acordei com saudade de você."


T.Rodrigues

sexta-feira, 23 de março de 2012

23 de Janeiro. (Carta)


Naquele dia, lembro-me de ter acordado e passado o dia na casa do meu primo. Conversando com ele sobre coisas inúteis e pensando na vida a partir dali. Coisas de primo. E quando a tarde chegou, a fome bateu, decidi ir pra casa. Quando cheguei em casa, lembro-me também de ler trechos de um bom livro, na época era o Morro dos Ventos Uivantes, e me cativar com a história. No facebook havia atualizações que não tinha lido, e coisas que não tinha respondido, uma delas sobre a festa, nessa mesma segunda.

Eu já queria ir, estava esperando meu pai chegar pra falar com ele. Ele demorou um pouco mais do que o previsto, o que quase me desanimou. Caso isso acontecesse ia ligar pra minha querida aniversariante, e desejar o melhor pra ela, mas seria complicado ir lá. Acabou que meu pai chegou e decidi ir.

No ônibus, a caminho do Outback, fui ouvindo música. Cheguei lá com o fone ligado ainda, um dos primeiros a chegar, mesmo estando atrasado meia hora. Naquele dia ouvia no celular Newton Faulkner, músicas que falava sobre coisas inesperadas em lugares inesperados, acontecimentos inusitados em horas indeterminadas. Basicamente? A vida.

Sem romantismo: Quando eu te vi, não sabia o que dizer.

Um círculo de amigos inusitado, uma aniversariante da qual a saudade era grande, uma vontade louca de sentar numa roda e por o papo em dia, o que acabou nem acontecendo... Você mudou o curso daquele dia. E o curso dos meus dois últimos meses.

O efeito que você provocou na minha vida, não posso descrever. Dia 23 de janeiro, às 22h aproximadamente, numa segunda feira qualquer, Deus tentou me avisar que a felicidade pra mim estava perto, eu só precisava olhar a vida com mais atenção.

E as circunstâncias nos trouxeram até aqui, e fico feliz por isso, mas acho que o que mais me define seria "grato". Eu tenho meio jeito específico de assistir a vida acontecer, um jeito que as vezes me atrapalha, mas eu fico pensando... Se naquela segunda feira, eu não tivesse ido. Como estaria minha vida agora. Como eu seria.

Quando comecei a pensar nisso, percebi o quanto você me mudou. Pra melhor. Desde o dia que te conheci, percebi várias coisas novas, e algumas já sabia, mas o tempo tinha me feito mudar de ideia. Percebi que o que a gente quer, não vem fácil. Que quando se gosta a gente tem que brigar por aquilo. Que nem sempre a vida espera você na varanda com um "seja bem vindo", pelo contrário. As vezes ela diz pra gente "se acomodar é mais fácil, volte pra casa."

E no fim de tudo, eu me arrisquei. Quis ser o melhor que podia, primeiro por mim, e depois por você. Obrigado por ser pra mim algo tão além do que posso descrever em texto. Algo além do que posso dizer em palavras, mas algo que não chega perto do que meu coração sabe expressar.

A verdade é que dia 23 de janeiro mudou meu rumo. Dia 23 de fevereiro foi um dos melhores dias que me lembro ter. E hoje, 23 de março, estou aqui escrevendo pra você que se depender de mim flor, todo dia pra mim vai ser um 23.

Obrigado por ser isso tudo, e um pouco mais.

terça-feira, 20 de março de 2012

O que é?

Pra menina na beira do rio era o vento,
Pro pai de família, era a esposa.
Para o viajante era a independência,
Pro cachorro, o rabo.

Para o violeiro era a música
Pro poeta a musa
Pro velho, a bengala.
Para a abelha era o mel,
Pra criança era o brinquedo
Pro melancólico era o passado
Para o suicida, era a vida.

Pra mim,
Nenhum deles sabia se era amor
Ou se era felicidade
Mas todos sabiam que estava lá.

T.Rodrigues

quinta-feira, 15 de março de 2012

Reflexo

Penso que sinto e sei o que penso,
Numa redoma guardei olhares.
Não é fácil entender o recado
O espelho é complicado de mais
Finjo que vejo, vejo que finjo
E nada além de interrogações barbadas
O olhar cansado diz mais da alma,
A alma cansada reflete no olhar.
A boca seca relata a falta,
A falta que faz seca a boca.
O tempo que passa envelhece a pele,
A pele que envelhece enruga.
A marca que fica traz a experiência,
A experiência que fica me confunde no espelho.

T.Rodrigues

terça-feira, 13 de março de 2012

Do mar dá dó de amar

Do mar dá dó de amar
Encontrei a terra a quem me comprou
Comprou com prosa, bossa nova
Grama verde, tesouro e frescor

Se no céu se é sentido
Sente a lua, afunda o grito
Paga o preço do descaso
Me padeço e compareço
Sinto o frio do infinito

Avante a estibordo
Contra vento inventado
Maresia que sinto é cina
É cheiro de sal contrariado

A cor da corda acorda
Acorda o menino da proa
Vai gritar pro grilo da praia
Que a terra já avistou!

T.Rodrigues

sexta-feira, 9 de março de 2012

Sinônimo do Contrário (Poema)

De que valeria o cansaço sem a rede
a canção sem a viola
a vida sem a morte
a luta sem vitória?

O que seria do ânimo sem o desespero
do carinho sem o beijo
do cobrador sem passageiro
da criança sem o berço?

Pra onde iria o sentido sem as palavras
o celular sem as chamadas
o conto sem as fadas
a santinha sem a malvada?

Por que penso que sei o contrário
do que escrevo e do que falo
E assino esse contrato
De fingir ser poeta imaginário?

T.Rodrigues

quinta-feira, 1 de março de 2012

Carta ao Tempo (Poema)

Vou escrever uma carta ao tempo...
Pra poder ganhar mais tempo.
Pra poder curtir a brisa da tarde
Ou uma manhã qualquer de momento.

Vou escrever uma carta ao tempo...
Ingrato! Teimoso! Sereno...
Que nervoso me deixa quando manda esse vento
Suspirar no meu ouvido que tenho pouco tempo.

Vou escrever uma carta ao tempo...
Pra não perder nenhum segundo.
Desse que me rouba a vida, o alento
Tenho ciúmes, inveja, me iludo.

Vou escrever uma carta ao tempo...
Vou sim, com certeza!
Pra ele comunicar ao patrão
Que de vida, ainda nem cheguei na sobremesa!

Vou escrever uma carta ao tempo...
E depois volto pra te contar.
Que de todos os olhares que já vi na vida
No seu eu pude me encontrar.

T. Rodrigues.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

20 minutos para 272km, Confissões de Uma Mente Confusa

Vamos lá Thiago, tente se lembrar. Como eu vim parar aqui? Se concentre. Pense um pouco no assunto. Ok, tem uma mala no chão, estou com os fones ligados. E essa passagem na mão.

Vamos Thiago, pense! O que te trouxe aqui? Vamos lá, junte as peças pelo amor de Deus. Mas esses flashes... Estou perdido! Tudo está tão confuso. Respire. E essa dor no peito? Quando ela apareceu? Batimentos acelerados, você está suando frio. Relaxe Thiago! Respire fundo e esqueça o resto, se concentre em saber como você chegou aqui. Vá fundo, relembre os fatos. Uma festa... Amigos. Parece um borrão na minha cabeça, dói lembrar... Amigos. Junte as peças. Foi quando ela apareceu.



São imagens distintas, parece um sonho, ou um dejavú qualquer. E essa dor de cabeça. Martelando no lado esquerdo, no direito... Meus olhos. Os olhos dela. Os olhos verdes. Me lembrei! Ela. Respire fundo, você está conseguindo. O que você lembra dela? Memórias. Isso! Esse era o assunto, memórias. A forma como lembramos das coisas. A memória mais acessada é provavelmente a menos verdadeira. Isso, continue!

Uma conversa simples, sim, uma conversa longa e simples! Fiquei hipnotizado no olhar dela. Aqueles olhos... A memória está falhando. Concentre-se. O que vem depois?

O que vem depois... Converse comigo. Conversa! É isso, muitas e muitas conversas, brincadeiras, assuntos diversos, sorrisos estranhos, memórias adaptáveis, doenças, música, medicina, poesia, e de volta tudo outra vez... Espere. O coração. Pulsando. Bombeando. Respire.

Como isso pode ter trazido você aqui? E essa passagem? O que tem a ver? Relaxe! Meu Deus homem, se controle. Junte as peças, você estava vendo a dois segundos atrás, estava indo bem!

Flashes, e mais flashes... Sala escura, filme! Música havaiana, companhia...



Mas parece tudo tão surreal, tão rápido. Tão sincero. Estou com dificuldade de lembrar o que de fato aconteceu. Lembre-se. Tente um pouco mais forte, um pouco mais perto... Reconhece essa foto? Essa, atrás da passagem. É dela não é? De quando é? Não sei... É uma foto dela maquiada de palhaça. Mas por que essa foto? Por que a primeira coisa que amei nela foi a forma que ela se preocupava com as pessoas. Isso... Continue!

A forma com que ela se preocupava com as pessoas... Isso foi assunto. Eu me preocupo com as pessoas. Me preocupo com ela. Mas não me lembro. Que aflição! Espere. A passagem. O horário do ônibus... Sai daqui a 20 minutos. Não sei o que fazer. Por que deveria entrar? Algo me diz pra ficar. Algo me diz pra tentar de novo. Meus pais, meus amigos... Ela.

O coração, de novo. Que droga! Por que toda vez que me lembro dela dói? Droga! Não me lembro!

Começou a chover na rodoviária, mal presságio. O tempo está passando Thiago, lembre... Mal presságio. Ambiente pesado... Ambiente pesado! Me lembro disso! Lembro de pessoas dançando, de pessoas legais, mas o ambiente era pesado... A sensação. Mas não era pesado pra mim. Era pesado pra ela... Estou indo bem! Vamos lá.

Estou alcançando, me acalmando. Selvagem como o fogo queimando debaixo da chuva, contido como um leão na jaula. Mas estávamos indo bem! O que aconteceu? Não me lembro. Foi recente. Essa foto. Essa da minha cabeça. Era só mais uma foto qualquer. Cinco pessoas, e ela. Não queria magoá-la, pelo contrário... É isso! Confusão. Essa confusão é dela também... Mas o que está acontecendo? Ainda não sei o que me trouxe aqui.

Tem um cara do meu lado. Parece estar aqui a tempos. Perguntei pra ele como eu cheguei aqui. Ele me disse que a 30 minutos atrás eu vim andando, parecia abatido, sentei nessa poltrona do terminal e cochilei 5 minutos. E então eu acordei, mas pelo que parece o pesadelo começou.



O que eu faço agora? Eu só queria ser feliz. Não tinha a intenção de magoar ninguém. Especialmente ela. Mas o machucado aqui sou eu. O coração... Dói! Meu Deus. Dói muito. Estou me lembrando... Espere, o ônibus sai daqui 5 minutos, e o ajudante do motorista está chamando os passageiros. Parece que ainda durmo... Meu Deus. Tento me levantar, acho melhor eu ir. Não causei felicidade a ninguém, só acabei machucando as pessoas que amava aqui. Acho que essa cidade vai ficar melhor sem mim. Acho que é hora de partir.

Mas e agora, o que eu faço? Não me lembrei totalmente. Tão rápido, tudo aconteceu tão rápido... São milhões de motivos pra não tentar. Pra esquecer. Mas parece que os motivos que me fazem tentar se encaixam na felicidade. Na minha felicidade. Mas não na dela. Seria egoísta de mais. Não acabou enquanto o fim não chegar. Mas o fim chegou?

Não sei pra onde ir daqui. Não sei onde caí, mas sei que o chão é o mais baixo. De vez em quando, lugar nenhum te leva pra algum lugar. No fim.

Deixei a foto cair. Alguém pegou pra mim. Cabelos loiros, longos... Lábios... Espere. Ela. Ela! Mas o rosto está diferente. Não consigo me lembrar. Minha cabeça explodindo... Essa dor no peito! Não sei o que fazer.
Não sei se consigo mais. Não sei o que é ilusão, o que foi verdade, o que não foi. Difícil... Difícil me ater ao real. Não me dou muito bem com a realidade.

Deus, me ajude!

T. Rodrigues