quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Céu de Baunilha

6:45 piscando, junto com um alarme extremamente irritante. Então eu acordei. Peguei minha passagem e poucas roupas e coloquei na mala.

"Nenhuma bagagem de mão, senhor", e realmente não tinha nada pra levar quando o rapaz do check-in perguntou pra mim. As únicas coisas que levava naquela viagem era um coração partido e uma vontade de ir embora concretizada. Um tocador de mp3 com John Mayer em 2 horas de viagem era mais do que suficiente para eu ter uma boa distração. Nada que Battle Studies não curasse.

Andando por aquele corredor estreito que dá até a plataforma, avistei uma mulher. Parecia ter vinte e poucos, não mais que 1,70 de altura, era morena de cabelos grandes, usava um vestido preto e tinha um sorriso arbitrário. Ela podia conseguir duas passagens pra lua e um ano de compras grátis na Calvin Klein se apenas chegasse na loja e dissesse "olá, bom dia!", com uma arcada dentária daquelas. Foi o que entendi dela antes de analisá-la melhor.

Entrando no avião confiro os assentos e advinha? Se você está pensando que a moça de sorriso escravizador sentou do meu lado, pensou errado. Ela sentou no corredor, eu sentei na janela. Parecia que ela tinha medo de voar, ou algo do tipo. Achei estranho, mas prossegui com o she is an assassin and she have a job to do tocando em meus ouvidos. E não era difícil de se distrair propositalmente, graças ao casal de chineses que tinha sentado ao meu lado. Pareciam ser completamente infelizes, ao menos essa era a impressão que deixavam, brigando 8 horas seguidas com pontapés e tiros de bazuca num voo que de 2 horas. No intervalo da luta pensei em fazer Kung-fu.

Mas me pego pensando naquela senhorita, a morena. Eu vi nela algo que vi em mim, a algum tempo atrás. Nunca fui de afeições muito belas, nem de sorriso escravizador, mas incrivelmente, sempre deixava uma boa impressão a meu respeito, em todos os lugares que ia. Não era de se orgulhar disso, é essencial que uma pessoa tenha dois lados. Não duas caras, dois lados. Ninguém pode ser perfeito o tempo todo. E eu era profissional nesse erro.

Observando ela durante a viagem, pude presumir que ela era desse tipo. Digo, não conhecia a personalidade dela, mas poderia dizer com certeza que onde quer que ela fosse, seria bem recebida. Claro que eu não estou falando de uma daquelas reuniões de loiras estilo Barbie-Malibu, mas vocês devem ter entendido.

"Caramba, não coloquei o aparelho pra carregar" foi o que consegui pensar quando a música parou de tocar nos meus ouvidos, quando consequentemente peguei ele do bolso e tive certeza que minha teoria sobre conspirações mp3-záticas estavam certas. Claro que fiquei muito mais assustado quando olhei pro lado e vi que o casal de olhos-puxados tinha sumido, a morena estava sentada na poltrona a minha esquerda, e estava olhando fixamente para mim, sem piscar. Detalhes.

"Olá Bruno" foi o que ela disse quando tirei o fone dos ouvidos, e a sua voz era suave, mas era também forte, daquelas que te convencem mesmo antes de ter algo pra convencer, sabe? A não ser que ela pudesse saltar 3 metros numa fração de segundos, alguma coisa ali estava muito, muito errada. Mas ela quebrou totalmente minha linha de pensamentos quando continuou aquele monólogo sensacional sobre minha vida, sem ao menos eu conhecê-la, e com aquela voz de julgamento.

-Quem você pensa que é? - Ela disse pra mim, e continuou - Você pode sair desse lugar, pode desistir de tudo, mas ainda sim, este lugar e essas pessoas estarão para sempre com você, e não dá pra fugir disso.

Fiquei alarmado, óbvio. Agora eu sabia definitivamente que tinha algo errado. Era certeza. Mas retruquei com um sotaque baiano perfeito e cara de quem não sabe de nada.

-De que você está falando senhorita? Acho que está me confundindo com alguém, - não bastava ela saber meu nome e o que estava fazendo, agora ela sabia que eu era um completo idiota, e continuei - me desculpe, vou me sentar em outro lugar.

Isso foi o que ouvi antes do "cala a merda da boca e apenas escute" mais bonito e bem dado que escutei em toda minha vida.

- Não há como fugir Bruno. Você sabe que não. Sabe que quando chegar em seu destino, vai sentir um pedaço de você ficando pra trás. E quando se adaptar, vai cometer os mesmos erros, acertar os mesmos acertos, e quando se der por conta vai querer fugir novamente. - essa foi a hora em que pensei que fugir pra sempre seria perfeito, mas ela prosseguiu com seu discurso magnífico - não preciso dizer que seu coração vai se quebrar novamente, certo?

Não sou um cara sensível. Não pense que esse argumento foi algo do tipo "novela mexicana" e me atingiu. Por outro lado, sou calculista e sempre penso em todas as probabilidades. Olhando pelo ponto de vista da morena que gostava de discursar para pessoas completamente estranhas, percebi que ela estava certa. E o falatório continuou, afinal, ela é mulher ora bolas. Estão sempre certas, e sempre falam demais. Ela suspirou mais uma vez antes de falar algo.

- Eu sei que você me entende, por que eu entendo você... e me desculpe a falta de modos! Meu nome é Bruno, muito prazer.

Eu definitivamente tinha ingerido drogas sem saber.

Ferrou tudo. Ou ela era o terrível "homem que parecia mulher mais bonito que já vi em toda minha vida", ou ela era eu. Tinha que ser a segunda alternativa. Eu esperava que fosse.

Quando ela disse isso, fiquei paralisado, óbvio. Percebi que ela vestia as mesmas roupas que eu. Uma camisa social xadreza, uma calça jeans e tênis (claro que ela vestia esse modelito na versão feminina), e qual era a chance de ela ter trocado de roupa durante aquele salto estilo Usain Bolt que deu mais cedo? Agora tudo fazia sentido em não fazer sentido nenhum.

Mas o que me deu certeza dessa teoria maluca mesmo, era o fato de ter olhado pra janela do avião, e constatar que tínhamos feito baliza em um-lugar-qualquer-no-meio-do-céu-de-baunilha.

Caramba, eu sentia saudade mesmo daquele casal de chineses que estavam do meu lado. Nessa hora iria pra China fácil estudar Kung-fu.

Não sei se foi a voz dela, o fato de estar no maior pesadelo do mundo, ou qualquer um dos fatos que não citei aqui, mas eu estava convencido de que ela estava certa, e eu não deveria fugir de meus problemas. Deveria encará-los, afinal, se me mudasse, os encontraria da mesma forma, só que em um lugar novo.

E foi ai que ela me perguntou a parte essencial:

- Sabendo disso, sabendo que estou certa, e que sou parte de você, qual é sua escolha? Vamos fugir desse lugar mesmo? Você vai fugir de tudo sem ao menos tentar resolver seus problemas? Eu sinceramente esperava mais de você Bruno! Enfim. Meus argumentos já estão bem claros. Não preciso mais discursar - e levantou sensacionalmente da cadeira, sem fazer mais ruído do que um casal de formigas faz quando discute sobre contas de água - mas agora é com você. Decida-se o quanto antes. Não sou nada paciente.

Daí o celular dela tocou. Uma música muito familiar.

6:45 piscando, junto com um alarme extremamente irritante. Então eu acordei.

T. Rodrigues

sábado, 25 de dezembro de 2010

Lágrimas de Guerra

A distância não auxiliava em nada. Ele tinha nas mãos uma pistola automática com poucas balas e um fuzil que pesava nas costas. A menos de vinte metros havia cerca de cinco deles, bem armados, mais descansados que ele e com a intenção de deixar o corpo dele em forma de um quebra-cabeça de mil peças. Não havia um golpe de esperança em sua mente, e foi ai que ele pensou em como seria se entregar pra morte de uma vez.

Ele se esquiva sentido sudoeste, e se esconde em volta de um bloco grande de pedra. Afinal, na defensiva ele tinha vantagem estratégica, e nessa hora era a única coisa que ele tinha. Enquanto tirava a trava da pistola, pensava em como veio parar ali. Em como as coisas tinham mudado de alguns anos para cá, e como aquela vida perfeita tinha chegado a esse fim. Era o pensamento que maioria das pessoas teriam se estivessem na mesma situação. Não bastava o fato de ser jovem, e ter (teoricamente) uma vida pela frente. Era apenas o fato de perder tudo o que ele já possuía. A mulher que deixara pra trás, a mãe que o amava. Aquele pai que muitos reclamariam, mas que amava a ele incondicionalmente, e que ele tinha orgulho de ter. Irmã e sobrinha, aquela linda garotinha que tinha um sorriso lindo e falava "titio" de um jeito simplesmente perfeito.

Ele deixava tudo para trás. Após anos de vida passarem pelos seus olhos em dez segundos, ele se vira e descarrega o penúltimo pente da pistola em dois de seus oponentes, e eles caem no chão, mortos. No momento em que volta a sua posição tática é almejado por um deles, bem no centro da coxa direita, e ele percebe que atingiu um deles gravemente. Sobram dois inimigos, sete balas, e pouco, muito pouco sangue.

Ele enfaixa a perna direita com o resto de sua farda, ou o que sobrou dela. Vê que sua posição não duraria muito tempo, e que ele precisaria de uma carta na manga, se quisesse sair vivo dali. Ter almejado três, e matado dois daquele grupo pequeno, deu a ele uma nova esperança.

A destrava da pistola de mão fazia um barulho bem comum a seus ouvidos. Ele já estava acostumado aquilo. Em cerca de milésimos de segundo ele respira e dá a volta na pedra. Em uma evasiva digna de um velocista profissional, ele desvia dos dois primeiros tiros, vindos dos dois que restavam em pé naquele vale. Ele descarrega a pistola na direção inimiga, e acerta os dois alvos com sucesso.

Aquele ar de vitória entrou no pulmão dele assim que viu o alvo caído. A adrenalina fazia efeito analgésico, e pra ele, a perna direita mal incomodava. Ele nem a sentia pra ser sincero. Ele pensava naqueles amores deixados em casa, num lugar não muito distante dali. Pensava no fato de ter entrado para o exército, e enchia sua bússola moral com mil razões para se convencer de que arriscar sua vida em atos assim era por patriotismo, e amor pelos que o amavam.

Foi quando ele percebeu que tinha sido alvejado pela segunda vez, na altura da costela esquerda, abaixo do peito.

O clarão durou pouco. O sangue invadia seu pulmão como uma cachoeira indo de encontro a um lago qualquer, colocando a razão entre força e calmaria. Ele caiu no chão sem sentir absolutamente nada. Não poderia se examinar para saber se era fatal o dano, apenas sabia que não sairia daquele chão, por um bom tempo, e com certeza não sairia sem auxílio médico.

Sussurrou um "eu amo vocês" baixinho, e orou para que os céus ouvissem e repassassem a mensagem para aqueles que amava, e entregava-se aos poucos ao fim.

Nada, em nenhum lugar, pode vencer aquele amor silencioso, que gritava em voz baixa, e se entregava ao vento por meio de lágrimas.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Num Natal Qualquer.

Era natal e as luzes brilhavam na praça. Papai Noel dava cambalhotas, pulava de pára-quedas e cantava músicas de rock. Era natal afinal de contas, e a magia estava no ar da Savassi. Dezembro resolveu dar sua carta de verão logo de início, e isso tinha trago uma chuva limpa aos céus bem no meio do mês. Resolvi ver as luzes, andar pela praça. Contemplar estátuas de pessoas demasiadamente importantes de mais pra ninguém saber quem são ou o que fizeram: era o programa perfeito. Afinal, a praça da liberdade é grande de mais para apreciar rápido de mais.

Ao término da primeira volta, percebo que a praça era suficientemente bonita ao ponto de não precisar de mais um para descrevê-la. Então, decido ir embora. Dou meia volta, sentido Centro, e ando bem no centro da rua que corta a praça ao meio. Em dias (ou noites) limpos e com tráfego de pessoas mediano, você se sente num palácio particular, e esse era o meu momento.

E foi ai que eu a vi.

Não vou dizer que a praça parou no tempo, que todos respiraram fundo e que Golias caiu em coma com a pedrada de Davi, por que isso não aconteceu. Apenas, a vi. Cabelos soltos e 15 anos feitos, era um dia comum, em um natal qualquer.

(dois dias depois)

"Olá, acho que te conheço de algum lugar. Acho que te vi em algum lugar. Prazer, meu nome é Thiago."

Num natal qualquer, numa praça qualquer.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Sou Um Amigo.

Ela me perguntava "por que você está fazendo isso", eu sinceramente não sabia explicar. Tudo o que eu sabia é que ela era boa de mais, certa de mais para acabar com um cara como eu. Nada do que eu fizesse, ou mudasse, tornaria esse fato menos real e foi ai que começou o erro.

Ela era tudo pra mim, eu sabia. Via o sol da manhã cinza no rosto dela e isso me consolava. Nós falávamos sobre crepúsculos e selos de carta, sobre o luar e sobre como filmes da sessão da tarde são ruins. Tínhamos nosso próprio tempo. Deixávamos as luzes acessas. Mas no fundo eu sabia que não duraria muito. Poderia ser um dia, um mês, ou exatamente um ano. Ela olharia para o lado esquerdo da cama e veria um alguém totalmente diferente, totalmente estranho, e totalmente fora de seu mundo.

Ela dizia "não, isso é mentira", dizia também, "pare de se crucificar tanto assim, você não é tão ruim" e eu chorava por dentro. Não que ela estivesse errada, e nem certa, porém sabia que eu era um erro. Me apaixonei facilmente por alguém que merecia mais. Quebrei a regra principal em matéria de corações: despertei o amor em outra pessoa que merecia muito mais que um rosto bonito. Ou talvez nem isso.

Ela poderia mudar o mundo com uma canção. Ela fazia músicas sobre inquilinos e via o mundo em uma escala de dó maior. Ela grifava livros e falava em sapos. Ela era tudo pra mim. Sempre foi.

Não sei se me apaixonei errado, por que sinceramente queria ter minha vez de ser feliz. Devo ter despertado isso em uma hora errada, ou talvez não tenha hora certa pra mim. Parece bobagem, mas faz muito sentido. No mundo há pessoas que amam pessoas que amam. Essas pessoas não usam o produto, só ficam felizes por ver alguém que sabe usar. E que tem mais sorte.

"A linha do horizonte me distrai, dos nossos planos é que tenho mais saudade" canto em um violão antigo sentimentos novos.

Sou um amigo.