sábado, 9 de março de 2013

Sereia do Rio

No Rio de Janeiro se ouvia a história de Ruy: rapaz de vinte e poucos anos que se rendeu as façanhas do coração. Por uma sereia de canto bonito, chamada Maria, se apaixonou, e quis saber onde essa história daria. Maria parecia carregar um coração meio partido, mas Ruy queria ser seu doutor. Meus amigos, apenas um tolo do nível mais primal acreditaria que esse romance daria certo, e Ruy era mestrando em tolice. Um dia, passando por Ipanema pude ver um dos capítulos dessa história de masoquismo romancista. A sereia não sabia de nada, e em um dia qualquer de Março, Ruy fez o papel do Pierrot apaixonado.

Da beira da praia ele se declarou, e Maria, que veio à superfície relutante, permanecia atônita. Por alguns momentos poderíamos dizer que a notícia tinha a surpreendido mais do que ele esperava, mas talvez isso não fosse verdade. Naquele dia, ela era uma, mas parecia falar por dois. Estava sozinha, mas parecia acompanhada.

A fascinação dele por ela não era tão complicada de se explicar (talvez não fosse preciso), mas ela parecia querer que fosse. Maria argumentava e dizia “para você é fácil falar, você não sabe como eu me sinto. Eu preciso me fazer feliz agora. Eu só preciso... de ninguém além de mim.”, e essas palavras soavam como seu ultimato. Ruy quase clamava, dizia a verdade, gritava a seus ouvidos, “você é mais do que pensa ser!”, e ela negava. Por mais que Ruy tentasse convencê-la do contrário, ela não cedia.

As negações continuaram por alguns momentos. As palavras dele pareciam não chegar aos ouvidos dela, ela parecia ouvir, mas não escutava. O discurso parecia se perder em algum lugar entre seus ouvidos e seu coração: o que ele se esforçava para dizer parecia não tocá-la.

Insistindo, o diálogo se estendeu por mais algum tempo, até que Ruy percebeu a triste verdade: ela estava imersa no oceano que foi sua última decepção. Tão fundo, tão ancorada, que parecia não poder subir à superfície sem que a pressão (a do ar, não a da vida) não a fizesse mal. Ruy só queria pular na água e tirá-la de lá. Mostrá-la a superfície. Na terra havia passarinhos cantando, o sol era amarelo e brilhava a luz do dia. No mar de sua antiga decepção, só havia o silêncio. Na terra, Maria encontraria paz, e a paz era uma realidade bem diferente da que ela se acostumara no fundo do mar.

Ruy, então, dos males o pior. Ele, com seu discurso pagão, ameaçara sua vida azul, azul marinho, quase preta de tão fundo. O que Maria parecia não entender era que Ruy tentava lhe salvar daquela vida a cem metros abaixo da superfície. Maria era uma sereia que não tinha decidido se queria viver na terra ou na água. Quem a via de longe, poderia dizer com clareza de ideias: ela queria viver na terra. Mas Maria se convenceu que sua felicidade estava no mar, e muitos desejavam tirá-la de lá, mas poucos pareciam querer isso ao ponto de se arriscarem a pular no mar para resgatá-la. Não posso dizer se Ruy foi o primeiro, mas a verdade é, que da última vez que topei com Ruy, o ouvi dizer “desse mar não volto sem ela!”, e pôs-se a nadar para o mar aberto.


T.Rodrigues

quarta-feira, 6 de março de 2013

Sereno

Deito-me no banco da universidade e assisto as nuvens passando, sem a menor preocupação com as pessoas ao meu redor, ou com meus afazeres acadêmicos. Um breve lapso de raciocínio invade minha mente. No momento as nuvens se cruzavam numa velocidade incrível, os pássaros seguiam seu trabalho e o sol se escondia atrás de uma camada espessa de chuva. O vento ficou frio de um jeito que você sabe: a chuva está para chegar. Quem sabe até uma tempestade. Logo após minha observação, a primeira gota - seguida por inúmeras outras - toca minha roupa, e a primeira sensação do molhado chega a minha compreensão. Eu aqui, à companhia do lápis, sem saber se continuo a deixar o papel se molhar ou se volto para um lugar seco. Algo dentro de mim grita para ficar na chuva, algo que está incomodado com o mundo. Incomodado com as pessoas e suas rotinas intermináveis, seus afazeres eternos e suas vidas tão ocupadas. Então me pergunto: afinal, quando foi que perdemos nossa sensibilidade? Quando foi que deixamos de observar a natureza e paramos de nos comover com o pôr do sol? Quando deixamos para trás o canto dos pássaros e a sensação de pisar descalço na grama? Um pensamento me leva a outro, quiçá pior que o precedente: quando é que aprenderemos que a vida é muito curta para não a observarmos passar despercebida ao nosso redor?

A pergunta se cala diante de mim. Percebo que a chuva passou e deixo essas questões para depois. Afinal, o caderno está seco, o lápis sobreviveu, foi um alarme falso. Está na hora de voltar à realidade cega.


T.Rodrigues