quinta-feira, 12 de abril de 2012

Diálogo no Jardim

- Vem - disse a rosa ao olhar para mim - e me canta uma canção bonita, uma canção que me alegre! E quando não puderes mais cantar, vai-te e prepara-me uma nova.

E coloquei-me a cantar a mais bela canção que pude. Na canção se falava de rosas, se falava de olhos verdes e de fábulas. Pena que minha rosa não sabia que minhas canções cessariam quando voltasse. Mas ela me pediu, logo não poderia fazer algo além de cantar-lhe a canção.

Era jardineiro fiel, gostava das rosas e elas gostavam de mim. Quando visitava o jardim, podava-lhes as folhas, cuidava de seus potes e dava-lhes água. Quando cuidei, me fiz necessário. E necessário continuei.

No outro dia pela manhã, ao avistar minha rosa pude tratá-la novamente.

- Que bom que viestes! - disse minha rosa a avistar-me.
- É claro que vim minha flor, pois tenho que cuidar de ti.- disse com carinho, e vestido de um pequeno sorriso.
- Mas se vens, vens por que deseja, e cuidas de mim por que quer. Logo, se assim o faz, fico feliz.
- Obrigado. Mas venho sempre sim. Pois pra ti sou necessário.

E os dias passam no meu jardim, e a rosa vai crescendo, desabrochando, e junto com a primavera vem suas melhores pétalas, seus melhores cheiros. E quando podia, ela me chamava pra lhe fazer carinho, cuidar dela, mesmo quando não era necessário. E me pedia novas canções, novos hinos e carícias. E nessas canções, encontrava a felicidade da minha rosa, e nela encontrava a minha. E quando os cuidados se faziam algo além do necessário, me tornei útil. Ora, a rosa precisava de água para viver, logo, eu lhe fazia viver, pois trazia sua água todos os dias. Ora, os ouvidos da minha pequena se faziam sedentos por novas canções, eu as cantava, logo, eu poderia saciar sua sede. E quando assim o fiz, me tornei útil. E útil continuei.

- Meu dono, tenho algo a lhe perguntar. - disse minha pequena flor, e continuou - se traz-me água e mata minha sede, sinto-me viva. Se vens e toca suas canções, sinto-me amada. Se és necessário, e útil, falta-te ser amado também, mas não sei como fazê-lo.
-  Ora minha pequena, pois se sou necessário assim o farei. Se sou útil, assim o serei. E quanto a amar-me, esqueces disso! Pois o amor vai além do domínio do homem. Amas por quê amas, e assim o farás. O amor só é compreendido em si mesmo, pois só ama quem ama em si.
- Mas se tu és necessário, e útil, com posso não amá-lo? - perguntou-me, e senti sua cabeçinha de pétalas com uma dúvida tão cruel que sua carência tocou meu coração.
- Minha pequena, quando me amares, saberás. - dei-lhe-a um beijo e fui embora.

E quando lhe disse sobre o amor, novas perguntas surgiram na cabeça de minha pequena. E quanto as perguntas, sempre as respondia com minhas melhores filosofias, e minha rosa amava meu jeito de ser, mas não me amava ainda. Não fazia diferença, pois no fundo sabia que a amava por amar em si, e nada lhe pediria em troca. Sempre perguntas, mas jamais dúvidas. E quando as perguntas vinham, eu as respondia, como jardineiro fiel. Pois a amava, e quando assim o fiz, me tornei valoroso. E valoroso continuei.

Pois o inverno veio, e com ele a dúvida. Pus-me a regá-la com mais frequência para que não sentisse sede, e lhe fiz uma redoma para que os insetos não a machucasse. E quando suas folhas caíram, expliquei que o velho dava lugar ao novo na primavera. E quando a primavera veio lhe tirei a redoma, e me fiz mais observador.

Mas as chuvas da primavera vieram, e regaram minha rosa, e já não era preciso que eu fosse ao jardim para que a regasse. Pois quando assim se sucedeu, deixei de ser necessário. E o fim das chuvas veio, e com ele os passarinhos também. E cantavam novas canções, e visitavam minha rosa todos os dias. E quando cantavam, minha flor viu que não precisava de mim para que fosse ao jardim cantar para ela. E ali lhe ocorreu que não eu não era mais útil. E quando os passarinhos se foram, as abelhas vieram, e cheiravam minha rosa com suas asinhas de inseto, e sem machucá-la iam embora. Logo, quando minha rosa percebeu que não precisava de mim para lhe fazer carícias, deixei de ser valoroso.

E minha rosa seguia feliz pelo campo, mas não precisava mais de mim para isso. 

E quando já não era necessário, nem útil, nem valoroso, notei que na verdade eu é quem devia entender o que o amor é. Pois na minha falta não notada, percebi que como jardineiro fiel lhe fiz feliz enquanto pude, e da melhor maneira que consegui. Mas quando não era mais necessário, nem útil, nem valoroso, fui-me embora, e deixei de ser jardineiro. Pois não cuidava mais de rosa alguma.

E quando fui-me embora do campo, percebi que na verdade, quem me ensinara sobre o amor era a rosa, e dele eu nada sabia. Pois o amor permanece em mim, mesmo não sendo mais seu jardineiro. E a falta que a rosa faz não posso medir, mas atenho-me ao fato de que, se a felicidade da rosa está na minha ausência, ausente serei.

E quando deixei de ser necessário, e útil, e valoroso, me tornei ausente. Me tornei memória. E memória continuei.

T.Rodrigues

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