sexta-feira, 1 de junho de 2012

Prosa de bar

Fumou um cigarro, deu uma tragada profunda, cruzou as pernas e começou a confessar:

- Ontem eu matei um cara.

Não sei bem dizer por que aconteceu. Muitos dirão que foi sem motivo, muitos vão se horrorizar, mas para mim parece ter valido a pena. Ou talvez ainda não descobri se valeu ou não.

Rapaz tranquilo, não fazia mal a ninguém - e talvez por isso me irritava tanto - sempre na dele, fazendo boas ações e esperando pela sorte na esquina. Ela, a sorte, nunca vinha, e ele continuava lá esperando, com um sorriso no rosto. Era o cara que acordava de manhã cedo, ia para a sacada do apartamento e respirava o primeiro ar da manhã, contente por ter acordado. Depois, voltava, tomava seu café e ia para o a faculdade acreditando que o dia seria bom se ele fosse bom com o dia. Cheio de ideais.

Respeitava tudo e todos, e as vezes até demais. Via a beleza das coisas simples, dos pequenos momentos, e julgava ser os mais necessários - os que um dia serão grandes - e os fazia com êxito. Havia grandes chances de, um dia, se você topasse com ele numa esquina qualquer, o flagrasse olhando para o nada e sorrindo. Ele dizia que as vezes ficava hipnotizado com as crianças apenas sendo crianças, ou casais se amando apenas como casais normais.

Isso tudo me irritava nele, e um dia percebi que era difícil mantê-lo vivo. Todas essas coisas, esses momentos demasiados insignificantes, me tiravam do sério profundamente, e essa afirmativa veio do contraste que ele tinha com os outros: eles sempre tinham mais sorte que esse cara, mesmo não sendo nada parecidos com ele.

Quando ontem, o vi chorar no quarto. Perguntei qual era o problema e ele disse: - A todos observo rindo, enquanto minha alma chora vazia. - E eu entendi o que quis dizer. A alegria dos pequenos detalhes havia consumido sua alma, e ele não se sentia mais capaz de participar de um deles: eram todos detalhes vindos de lugares onde as pessoas não os julgavam como importantes. Percebeu que cada sorriso valoroso viera de todo lugar, menos dele.

Conversando, vimos que não havia saída. Ou ele continuava seguindo a passos largos o caminho da solidão - e sabedoria - ou deixava tudo para trás. "A alegria reside na ignorância", um poeta pensou de longe. Então vimos que o melhor a se fazer era matá-lo, ali mesmo, naquela hora de reflexão. E assim o fiz, uma bala bem na cabeça, sem deixar possibilidade de sobrevivência.

Não me julguem mal, eu fiz um favor ao nosso amigo. Ele sabia que cada dia seria pior, se continuasse a perceber que a alegria que observava nas pessoas, além de não ser dele, era totalmente ignorada pelos sujeitos de sua existência. As pessoas não se importam com as coisas que realmente as fazem felizes.

Como eu o conhecia tão bem? Ele era eu, ontem.

T.Rodrigues

Um comentário:

  1. Credo em você, menino!!!! Ahhhhh
    Gosto demais das coisas que você escreve!
    Ow...
    As crianças nos ensinam muito, elas saboreiam o todo, de todas as formas e por todos os lados. E não se saciam... Precisamos voltar à inocência e trazer à tona o infantil adormecido em nós!

    Amei!
    =]

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