domingo, 1 de maio de 2016

Fluxo

Todas as coisas devem acabar.
Para que deem lugar a novas coisas
Para que abram espaço naquele velho armário de mudança
Que a gente insiste em guardar por conveniência.

Coisas que ainda não fizemos, mas haveremos de fazer ainda.
Coisas que dizemos, mas não poderíamos dizer ainda.
Todas elas fazem parte de um grande mar de incertezas
E quando a cama vira depósito de promessas
Daquele amanhã que seria diferente
Se dorme o sono dos justos não tão imaculados
Vazios do outro e cheios de si.
Mas certos do dia que ainda haverá de nascer.

Há ainda os que cultuam o deus do deixar-pra-trás
Mas não se deve dar valor demais ao desapego
Desapague-se desse mantra.
A vida dá, a vida toma
E ainda continuamos réus de um destino que não julga
Mas que faz de toda testemunha seu juiz.

Pois um dia a alma se aquieta do afago ou da falta
Um dia as folhas caem para dar lugar a novas
Sinta-se parte de um mundo que substitui

Toda velha história por uma ainda não contada.

T. Rodrigues

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Seguindo em frente

Vida segue
Deixe tua culpa, tua gana, teu medo
Não negue
Deixe memória, afago, teu cheiro
Considere
Deixe história, aprendizado, teu zelo
Espere
Deixe o tempo te levar ao começo.

Segue.

T. Rodrigues

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Inabilidade

Com o tempo, fui esquecendo como fazer as coisas. Tenho percebido minha perda de habilidade em viver com pessoas e minha completa impaciência pelo social, vou envelhecendo e esquecendo como as relações funcionam. Me esqueço do básico: do cumprimento, do parabéns, da despedida, todos aqueles ritos que preenchemos em nossas relações todos os dias. Afinal, as rugas trazem questionamentos que nossa ignorância quase infantil não se daria ao trabalho de pensar. Os rituais do "oi", "olá, como vai você" e "mande notícias" são vívidos em relações de superfície pura mas profundidade pútrida. Perguntamos ao nosso maior inimigo se ele "está bem" e a nossos meros colegas, "como vai a família".

A falta de habilidade dá lugar a uma reclusão característica. Você começa a fazer esforço para evitar contato, e nossa modernidade-pós-moderna nos fornece todo o aparato. Ela quase investe em menos relações de contato. Se eu precisar de banco, tenho a internet. Eu ligo para que tragam comida. Minha luz está no débito automático. Converso com meu orientador da graduação por e-mail. Já não consigo mais saber a linha de onde a facilidade ao acesso se confundiu com a reserva desmedida.

E assim vou destruindo aos poucos as relações que construí quando mais jovem, mas não me sinto culpado. Até desejaria que a metamorfose de uns se parecesse com a minha.

T, Rodrigues

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Rugas

Penso que sinto e sei o que penso
Numa redoma de olhares
Não é fácil entender o recado
O espelho é complicado demais
Finjo que vejo, vejo que finjo
E nada além de interrogações barbadas
O olhar cansado diz mais da alma
A alma cansada reflete no olhar
A boca seca relata a falta
A falta que faz seca a boca
Em um passo volto no tempo
O senhor tempo passeia sem voltar
Encontro tudo em linhas paralelas
Combinam com as rugas do rosto
Pés de galinha são as memórias
memórias são pés de muitos animais
Os que rugem são os de dentro
Agora só o olhar expõe a fera domada
Pelo tempo, pelos versos, pelos tais.

T. Rodrigues