terça-feira, 29 de maio de 2012

Um Soneto de Cummings

Do amor é a função de fabricar desconhecimento
o conhecido não deseja, mas desejar é amor
embora se às avessas, o idêntico sufoca o uno
se confunda a verdade com o fato,
se gabem os peixes de pescar,
e por vermes, homens sejam apanhados
não se importa o amor
se troteia o tempo, declina a luz, vergam-se os limites
afortunados são os amantes, pois se submetem ao indescoberto
pois choram e riem, sonham, criam e matam
enquanto o todo se move, quieta permanece cada parte.

Se não for sempre assim e no futuro
de um novo amor o beijo experimentares,
se de minhas mãos fugires no escuro,
e outro coração aprisionares,
se no silêncio de um momento impuro,
teu cabelo em outra face roçares,
e essas histórias de prometo e juro,
com voz amiga a mais alguém contares,
se for assim, amor, se for assim,
dá-me um aviso, pois serei honesto
e a ele ofertarei num simples gesto
toda felicidade que há em mim.

E bem de longe ouvirei a cantiga,
De um pássaro triste, na terra perdida.

E.E. Cummings, traduzido e adaptado por T.Rodrigues

segunda-feira, 28 de maio de 2012

O dilema da Diana

Na minha mocidade, quando vivia lá pelas bandas de Belo Horizonte, ouvi um conto sobre um ser divino, - mas muito complicado - Diana, a deusa da caça. Vê se pode! Guerreira dos olhos cor de floresta, ser angelical dos cabelos loiros, parecia ser feita para seduzir, e era perita na arte da caça. Era tão boa que, sem muito esforço, pegava qualquer presa. Mas só caçava presa errada!

Deusa majestosa: corpo lindo de mulher e cabeça de moça! Não sabia o que queria a coitada. Quando descia a escada pro mundo dos mortais, dentre os homens via coelho e lebre: mas só ia caçar cobra e raposa! Bichos traiçoeiros. Valiam nada. E ela lá, divindade soberana, toda indecidida. Dava pra ver, só queria ser feliz, mas só escolhia mal. Muito mal. Muito mal mesmo, tadinha.

De caçada em caçada ela encontra o moço Felipe, rapaz do cabelo cor de terra, muito coração e pouca estratégia. Coitado. Logo esse garoto sem fé, foi topar de cara com a deusa da caça. Mas quem caça cobras e raposas por tempo demais acaba acostumando, e em cinco minutos Diana fez de Felipe caça - e como fez - o coitado ficou sem reação, e virou presa, claro.

O que ninguém imaginava era isso:  não é que o garoto gostou de virar presa? Olha só! Depois de encontrar Diana, as mortais perderam a graça: Felipe agora só queria saber do andar de cima. E olha que uma hora dessas a deusa da caça já estava lá, caçando uma cobra velha (ou uma raposa, afinal, era só presa errada).

Só que a deusa não esperava por essa, estava acostumada a deixar seus troféus guardados, nunca mais botava a mão neles. E quanto as cobras que perseguira em outros tempos, todas se foram. Afinal cobra não volta, nem pata tem, bicho traiçoeiro. A reação foi hilária, quando em terras divinas ela escuta a prece do rapaz: "Me caça outra vez, ó santidade!" Foi tão inesperado que a deusa ficou sem saber o que fazer e não respondeu a prece. Vê se pode. O primeiro coelho pedindo pra morrer em seus olhares santos (uma segunda vez) e ela lá, sem saber o que dizer. "Finge que nunca me caçou! Aproveita agora, que tem coelho pra caçar, antes que mais cobra apareça!"

Onde já se viu, lebre pedindo por ponta de faca! Agora a deusa não sabe se fica com coelho ou com cobra. Ou se pára de caçar, coitada. Dizem que até agora a deusa não deu resposta. E se de noite a gente vai pra beira da lagoa (da pampulha) a gente ainda escuta o rapaz pedindo baixinho:

 - Me caça outra vez, minha santidade!

T.Rodrigues

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Diego e Palloma


É isso aí. O casamento do meu melhor amigo é amanhã. É difícil acreditar (não por ser ruim), é que ontem tínhamos 13 anos e estávamos lá, jogando videogame no sítio, comendo pão com presunto e tomando achocolatado, e amanhã ele estará dizendo "eu aceito" pra pessoa que mais ama na vida - ou talvez começando a ter uma vida.

Quantas histórias poderia contar sobre esse cara. Sempre o considerei alguém de respeito, que batalha pelo que quer e sabe a hora de parar de brincar e falar sério. Sempre decidido e sempre soube o que queria. Na nossa adolescência era assim, e agora, 10 anos depois, garanto que continua o mesmo. Afinal é assim que as pessoa decididas são: decididas por toda vida.

Eu estava lá quando ele disse que se apaixonou por ela. Que queria algo com ela. Os dois tem muita sorte de terem se encontrado: são duas pessoas sensacionais. Convivi muito pouco com ela, mas sei disso. Eu acho que os grandes se atraem.

A vida é uma caixinha de surpresas, e disso a gente sabe. Eu tive meu tempo distante desses dois, mas agora tenho a honra (e que honra) de ser padrinho do casamento deles. Amanhã, quando o dia acabar, deixarão de ser "duo" para se tornar "uno" em matrimônio, e só posso desejar o meu melhor.

Posso dizer - com sinceridade -  que um dia quero ser assim. Me tornar alguém tão admirável como ele. E talvez, fazer uma mulher feliz o suficiente para pedi-la o pedido entre todos os pedidos. E fazer diferença, nos pequenos detalhes, nos grandes, ou talvez apenas nos necessários.

Que a felicidade siga vocês por toda vida, e que Deus os abençoe.
Esses são meus votos de honrado padrinho, de amigo, e de irmão.

Com carinho, T.Rodrigues

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Diagnóstico

Consenso não se acha entre o médico e o filósofo
- Administre duas ampolas de bom senso doutor:
explique a esse o homem que o mal dele é amor!

T.Rodrigues

terça-feira, 15 de maio de 2012

Quando vieres ter comigo

Quando vieres ter comigo, não saberei o que dizer. Preparei-me por tempo - incontável pra quem sente -  mas as palavras se absterão, e plantarão em seu lugar a incerteza. A boca que se abre imita o boneco do ventríloquo, e as palavras se tornam mudas. O lábio que se movimenta prevalece em silêncio. E prevalecerá, quando teus olhos verdes de floresta - esses onde perdi-me no passado - ousar encontrar os meus, marrons de pavor.

Quando vieres ter comigo, não saberei o que fazer. Talvez  tu presenteie-me com sorrisos e entrando pelo vão da porta, me consuma em fogo e fúria. E quando o lugar se ater em cinzas, desenterre meus instintos mais guardados - em segredo, jogados ao acaso - e me faça corar de raiva e fervor. Desse impasse improvisado, vejo-a rindo de mim, colocando-me na palma de tua mão de linho e fazendo-me cativo de meus próprios desejos revelados. E quando nessa verdade me perder, tua malícia de mulher mais vivida fará com que te veja má, pronta para despedaçar-me quando quiseres.

Quando vieres ter comigo, não saberei que medida tomar. Expulso-te do meu quarto, mando-te voltar donde  vieres e peço-te que nunca retornes - sabendo que sou em ti o que és em mim - ou finjo que nunca fostes embora, canto-te uma canção, esvazio outra gaveta em meu coração peregrino, para que coloque suas meias e roupas e faça morada - mais uma vez - na sala que sempre foi tua?

Mas ora, pra quê pensar no dia que vieres ter comigo? Sabe-se-lá se chegará o dia - esse tão comum aos de hoje - quando acordares pela manhã e ansiastes por minha presença. Dia esse de um conto de amor que vinga sem ponto final, que repassa a história sem longos dramas ou despedidas imaginárias.

Dia esse, que tu te encontras a pensar "quando ele vier ter comigo, saberei eu o que fazer?"

T.Rodrigues

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Meu jeito de vê-la

Foi ela quem me pediu pra levar o guarda chuva,
e não chegar tarde em casa.
Me ensinou os bons caminhos,
e me mostrou onde os ruins ficam.
Ela me disse o que eu precisava ouvir,
mesmo na hora que eu não queria,
e me calçou com chinelos,
para o frio não me resfriar.
Acertando ou errando, ela estava lá,
e quando eu procuro no dicionário a palavra "amor"
começo pelo "m", de "mãe".

T.Rodrigues

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Nossa pequena canção

Ela veio e tocou alguns acordes
se apresentou e disse "como está você?"
Eu só pude perceber o doce som da sua voz depois
depois de ter percebido que a música já tinha começado
nem o refrão tinha chegado e eu já havia me perdido completamente
no som daquela voz de anjo a me contar histórias
Da vida dela, a que passou, antes de mim e depois
e eu ali tonto a perceber que ela era tudo que eu queria e nada mais.
Mas a revolta toma conta do segundo ato
"Eu acredito em amores impossíveis" ela disse
Mas parecia não acreditar tanto assim
Das coisas em comum que tínhamos, restaram poucas
Um oi, um olá ou um adeus fechavam cada verso
E a música foi sendo tocada.
Minha mente dizia que talvez um dia ela me amasse também
meu coração que devia confiar, não se convencia.
Chegou a hora do solo de guitarra, e a paixão foi fogo
Queimou as partituras que tinha, minhas notas foram esquecidas
O campo harmônico que tinha em mim, simplesmente caiu fora de tom
Hoje eu escrevo as notas todas tortas
Falta sentimento na melodia
Sinto falta daqueles acordes doces, do timbre agudo
e mal deu tempo de perceber (talvez eu não queria aceitar)
que o refrão já repetiu, e a música já acabou.

T .Rodrigues