quinta-feira, 7 de junho de 2012

A vida que se leva (Parte 1)

"O que se leva da vida é a vida que se leva", li em uma rede social qualquer, hoje pela manhã. Estava vivendo o dia normalmente, até que decidi ligar a televisão em um canal de notícias (um dos 30 que assino na tv à cabo) e acabei me deparando com a data de hoje: 7 de junho de 2012. Hoje faz um ano que vi Charlie pela última vez.

Naquela manhã ele acordou cedo, logo quando os primeiros raios de sol cruzavam nossa janela.

- Acorda pai! - e entrou correndo pela porta tropeçando e fazendo muito barulho, subiu na minha cama como se um tesouro o aguardasse perto do meu travesseiro.
- Charlie, quantas horas são? - perguntei, em um estado de meio-sonhando, meio-dormindo, olhando para o relógio e duvidando que o garoto tivesse me acordado às 6 da manhã. Mas eu estava feliz.
- É hoje pai, é hoje! Vamos, senão a gente perde o ônibus para ver a mamãe!

A mãe de Charlie (e minha ex-esposa) se chamava Rachel. Nos separamos em junho de 2010, logo depois de ela perder o emprego. Nós vínhamos de alguns meses de briga, reconciliação, mais e briga e mais reconciliação. Depois de algum tempo era só briga. Devido à necessidade, ficamos algumas semanas consultando com nosso terapeuta (doutor T.) e decidimos que uma separação amigável resolveria nossos problemas conjugais e familiares. Estávamos pensando na felicidade do nosso filho, um garoto de 4 anos que não precisava crescer em uma casa de pais brigões. Quando Rachel perdeu o emprego (grande arquiteta, numa grande empresa), entrou num estado de depressão profunda, o que foi bem traumatizante para Charlie. Mas o processo de separação aconteceu muito rápido e o juiz acabou optando por dar a guarda do garoto para mim.

No início foi bem difícil para Charlie. Ele era muito apegado com a mãe (e que garoto de 4 anos não é?) e o choque de não tê-la todas as manhãs foi grande. Mas a vida continua, foi um longo processo, mas ele começou a se acostumar em ver a mãe com pouca frequência. Mensalmente Rachel nos fazia uma visita, o garoto ficava excitadíssimo quando via a mãe aparecendo na varanda. "- Ela veio pai, ela veio! Hoje vamos jantar com a mamãe, você fez algo gostoso né?! - Pai, pai, pega o dvd do Pirata pra gente ver com a mamãe! - Dessa vez ela vai ficar né pai?" Ele sabia a resposta para essa última pergunta, isso me cortava o coração. Eu sabia que crescer sem uma mãe com certeza seria ruim para Charlie, mas parecia injusto ter uma mãe tão ausente, com visitas marcadas no relógio.

Em dezembro daquele mesmo ano, Rachel estava quase que completamente recuperada. Em seu tratamento, o psicólogo havia dito que seria benéfico para ela morar na cidade em que foi criada, 200km ao sul de onde morávamos com Charlie. Ela ouviu e acabou se mudando, o que de fato foi bom para ela. Sua melhora foi considerável, então decidimos que ela já poderia ver o filho com mais frequência. Ela morava perto, mas não tão perto, então decidimos também que além de recebermos Rachel em nossa casa, Charlie também poderia visitá-la quinzenalmente, de ônibus.

Os meses foram passando e parecia que tudo ia se ajeitando aos pouquinhos. Charlie passou a ver sua mãe mais vezes e parecia mais feliz. Meu relacionamento com Rachel melhorou consideravelmente, quando percebi que no fim da terapia, ela voltara a ser uma Rachel bem próxima do que era quando a conheci, aquela com quem me casei e fui feliz, mesmo que por pouco tempo. Mas esse era um outro assunto, nós dois éramos adultos e não queríamos confundir as coisas, nosso foco era a felicidade de Charlie e ele havia aceitado (finalmente) o fato de ter pais separados.

Era manhã do dia 7 de junho de 2011, feriado nacional e Charlie iria passar a semana na casa da mãe e voltaria para casa no sábado. Ele parecia iluminado naquela manhã. Acordou falante e alegre (como sempre acordara) mas havia algo diferente naquele dia. Quando olhei para ele, na mesa do café, o vi como se fosse um anjo. Garoto lindo, puxou os olhos verdes da mãe e meu cabelo liso, parecia ter sido esculpido sem cera (sinceramente). Mas olhar para ele naquela manhã, reluzindo, parecia um aviso divino que a alegria de um homem só encontra seu ápice quando está prestes a cair.

Quando acabamos de tomar café, uma ideia me passou pela cabeça. Já havia alguns meses que não via Rachel (desde que Charlie começara a fazer visitas quinzenais para ela), apenas trocávamos algumas mensagens no celular, umas ligações rápidas, mas sempre algo sobre Charlie. Olhando para meu filho, percebi que tinha saudade dela, saudade da nossa família reunida. Então pensei: "por que não dirigir até a fazenda hoje? São apenas duas horas e meia de viagem e eu preciso tirar o carro da garagem mesmo." Comentei com Charlie e ele ficou entusiasmado com a ideia, não só de pegarmos a estrada (o garoto adorava velocidade), mas acho que a ideia de ter nós três reunidos novamente, brilhou na cabecinha do garoto.

Então, Charlie e eu pegamos a estrada ao encontro de Rachel.


(continua)
T.Rodrigues

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