sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Conversa de Botas Batidas

- E agora amor, o que acontece? - Ele pergunta pra ela.
- Acontece que agora a gente está livre.
- Livre de quê? O moço bateu na porta duas vezes Maria. Está na hora de ir. 
- Mas eu prefiro ficar.
- Prefere? Está louca?
- Tá na hora de ser feliz. De parar de se esconder Ruy.
- Feliz como, eu não vejo onde. Ficar aqui é esquecer tudo. É entregar tudo pro acaso.
- Pelo contrário! Cansei de fingir, cansei de me esconder! Não quero mais um minuto que seja, longe de você. Você é tudo pra mim, e se eu passar dessa porta eu te perco de novo. Cansei de repetir essa fuga sempre! De não te ter ao lado sempre! Não quero mais isso. Eu quero ficar.
- Mas se a gente ficar...
(Interrompendo, Maria continua) - Eu sei! Mas eu não me importo.
           
           Ruy pára pra pensar um pouco, tentar entender. Ele escuta o barulho das pessoas correndo do lado de fora. Tenta raciocinar um pouco, pensando na situação e tudo mais. Ele olha pra fora e vê a rua cheia, os carros passando, a vida continuando da mesma forma de antes. Então ele olha pra cama e vê Maria deitada.
           Mesmo com todas as informações correndo em seu cérebro como maratonistas, ele vê que ela era tudo o que precisava. Observou seus contornos. Sua boca e seu cabelo liso. Ele viu que se existisse um porto seguro, era ela.

- Acho que cansei da nossa fuga. - sussurra Ruy, por fim falando algo.
- Vem, volta pra cama, que nossa hora chegou!
- Mas eu estou com medo.
- A vida é passageira! E a gente se pertence. Esse é só o começo do fim da nossa vida.
- Eu sei, eu sei. Então é melhor eu voltar pra cama.
- É, vem e me abraça! Que eu quero te curtir uma vez mais.

           E os primeiros barulhos começam. Os primeiros tremores. E o silêncio no corredor.

- Maria, tá acordada?
- Sim, por que?
- Por que eu queria falar que te amo. De novo.
- Eu também te amo! Eu acho que a hora tá chegando.
           
           Com lágrimas nos olhos, os dois se abraçam uma última vez. E então o hotel cede acima deles.

           Algumas horas antes desse diálogo, esse acidente foi previsto por um dos funcionários do hotel, que foi avisando para todos os hóspedes assim que imaginou o pior. E assim começaram a evacuar o lugar. Pessoas correndo pra todos os lados, mesmo organizadas, tentavam sair daquele hotel no Rio as pressas. Quando todos se reuniram na porta do hotel, observando do lado de fora, pensaram que um milagre aconteceu. Que o pior tinha passado. Mas no fim das contas, foram encontradas duas vítimas fatais, encontrados abraçados num dos quartos do hotel.

           Ruy (71 anos) e Maria (62 anos) eram um casal de idosos que, supostamente, viviam um amor proibido. Eles eram casados, mas com pessoas diferentes. Tinham filhos, netos... famílias completas. Mas viviam um amor às escondidas há meses, quem sabe anos. Sempre iam no mesmo hotel, para fugir de tudo.

Escombros do Hotel Linda do Rosário - Rio de Janeiro
           A história é uma história real. Esse texto é apenas o que imaginei do diálogo que eles tiveram antes do acontecido. O fato de um tentar convencer o outro a ficar no hotel, enquanto tudo desmoronava... Era demais pra imaginar. Histórias e mais histórias de amor são contadas, em filmes, músicas e livros. As vividas, as que são reais mesmo, a gente só imagina, ou presencia.

           Essa história também foi imaginada, em forma de música, pelo cantor e compositor Marcelo Camelo, do Los Hermanos. Música qual deu o nome para esse texto.

           Se há algo você tirar desse texto, vai de você leitor. Eu só penso que, se um dia encontrar um amor que seja tão intransponível como o deles, serei um cara feliz.

           E assim finalizo o último post do ano: Seja feliz.

T. Rodrigues.

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