sábado, 25 de dezembro de 2010

Lágrimas de Guerra

A distância não auxiliava em nada. Ele tinha nas mãos uma pistola automática com poucas balas e um fuzil que pesava nas costas. A menos de vinte metros havia cerca de cinco deles, bem armados, mais descansados que ele e com a intenção de deixar o corpo dele em forma de um quebra-cabeça de mil peças. Não havia um golpe de esperança em sua mente, e foi ai que ele pensou em como seria se entregar pra morte de uma vez.

Ele se esquiva sentido sudoeste, e se esconde em volta de um bloco grande de pedra. Afinal, na defensiva ele tinha vantagem estratégica, e nessa hora era a única coisa que ele tinha. Enquanto tirava a trava da pistola, pensava em como veio parar ali. Em como as coisas tinham mudado de alguns anos para cá, e como aquela vida perfeita tinha chegado a esse fim. Era o pensamento que maioria das pessoas teriam se estivessem na mesma situação. Não bastava o fato de ser jovem, e ter (teoricamente) uma vida pela frente. Era apenas o fato de perder tudo o que ele já possuía. A mulher que deixara pra trás, a mãe que o amava. Aquele pai que muitos reclamariam, mas que amava a ele incondicionalmente, e que ele tinha orgulho de ter. Irmã e sobrinha, aquela linda garotinha que tinha um sorriso lindo e falava "titio" de um jeito simplesmente perfeito.

Ele deixava tudo para trás. Após anos de vida passarem pelos seus olhos em dez segundos, ele se vira e descarrega o penúltimo pente da pistola em dois de seus oponentes, e eles caem no chão, mortos. No momento em que volta a sua posição tática é almejado por um deles, bem no centro da coxa direita, e ele percebe que atingiu um deles gravemente. Sobram dois inimigos, sete balas, e pouco, muito pouco sangue.

Ele enfaixa a perna direita com o resto de sua farda, ou o que sobrou dela. Vê que sua posição não duraria muito tempo, e que ele precisaria de uma carta na manga, se quisesse sair vivo dali. Ter almejado três, e matado dois daquele grupo pequeno, deu a ele uma nova esperança.

A destrava da pistola de mão fazia um barulho bem comum a seus ouvidos. Ele já estava acostumado aquilo. Em cerca de milésimos de segundo ele respira e dá a volta na pedra. Em uma evasiva digna de um velocista profissional, ele desvia dos dois primeiros tiros, vindos dos dois que restavam em pé naquele vale. Ele descarrega a pistola na direção inimiga, e acerta os dois alvos com sucesso.

Aquele ar de vitória entrou no pulmão dele assim que viu o alvo caído. A adrenalina fazia efeito analgésico, e pra ele, a perna direita mal incomodava. Ele nem a sentia pra ser sincero. Ele pensava naqueles amores deixados em casa, num lugar não muito distante dali. Pensava no fato de ter entrado para o exército, e enchia sua bússola moral com mil razões para se convencer de que arriscar sua vida em atos assim era por patriotismo, e amor pelos que o amavam.

Foi quando ele percebeu que tinha sido alvejado pela segunda vez, na altura da costela esquerda, abaixo do peito.

O clarão durou pouco. O sangue invadia seu pulmão como uma cachoeira indo de encontro a um lago qualquer, colocando a razão entre força e calmaria. Ele caiu no chão sem sentir absolutamente nada. Não poderia se examinar para saber se era fatal o dano, apenas sabia que não sairia daquele chão, por um bom tempo, e com certeza não sairia sem auxílio médico.

Sussurrou um "eu amo vocês" baixinho, e orou para que os céus ouvissem e repassassem a mensagem para aqueles que amava, e entregava-se aos poucos ao fim.

Nada, em nenhum lugar, pode vencer aquele amor silencioso, que gritava em voz baixa, e se entregava ao vento por meio de lágrimas.

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